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5.1.11

Chesterton: o escritor e o encanto da alegria

Quarenta anos depois de Dostoievski, Gilbert K. Chesterton se deu conta de que a atmosfera da Europa estava novamente cheia de fantasmas. Os demônios, que Dostoievski havia combatido, haviam se infiltrado em todos os lugares. O seu contágio havia se estendido a todas as partes da classe culta, e a atmosfera era irrespirável. "O delinquente mais perigoso hoje – dizia – é o filósofo moderno que não reconhece lei nenhuma. Em comparação a ele, os arrombadores e os bígamos são essencialmente morais". O niilismo e a anarquia haviam se tornado a religião dos ricos e estavam conquistando o mundo.

A reportagem é de Pietro Citati, publicada no jornal italiano La Repubblica, 20-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O que poderia se opor ao niilismo? Se olhava para dentro de si, entendia que o seu Deus não estava morto, mas era mais horrendo do que qualquer Deus morto. Como confessou no final da sua obra-prima, "O homem que foi quinta-feira", Deus era para ele o grande Tudo. Levava todos os nomes: assumia todas as formas. Era leve e alegre como o espírito, obtuso e triste como a matéria: era malvado, distraído e impiedoso como a natureza, se assemelhava à primavera, ao sol do meio-dia, à floresta virgem, a um anjo, a uma fera. Era o bem e o mal confundidos.

Depois do final de "O homem que foi quinta-feira", Chesterton não interrogou mais aquela imagem divina. Suponho que ela continuava suscitando dentro dele as dúvidas e as angústias mais tortuosas, que talvez revelou apenas ao seu confessor. Não acabou nutrindo uma espécie de desconfiança para com Deus e não procurou ter relações com ele. Rejeitou toda mística e toda confissão de alma. Mas aceitou Deus, seja qual for: o louvou, o exaltou, o defendeu, foi apologista e fanfarrão, escreveu para ele milhares de páginas geniais e desordenadas. Sentia que Deus despertava em sua alma "a paz de uma insensata beatitude". Em um certo sentido, não tinha mais necessidade de Deus. Bastava-lhe a onisciente, cauta, amorosa, tolerante Igreja católica.

Da fé cristã, Chesterton colocou em relevo principalmente dois grandes símbolos. Em primeiro lugar a encarnação. O verbo havia vindo para a terra e se feito carne, e havia redimido os sentidos e os corpos. Com esse sentido de irracional gratidão, que tão frequentemente o enchia de si, Chesterton sentiu o dever de amar todas as coisas criadas. Em segundo lugar, exaltou a Cruz: o sinal da queda e da redenção. Olhando para a Cruz, sabia que podia tirar do cristianismo uma multidão de paradoxos cintilantes, de sentenças resplandecentes e imprevistas: muito mais espirituosas do que as de Shaw e de Oscar Wilde. O maior desses paradoxos foi aquele que sustentou, depois de então, a sua fé. O seu Deus era ao mesmo tempo o Deus da razão suprema, da teologia de Tomás de Aquino, e do bizarro Senhor do non-sense, da irracionalidade e do absurdo.

Lemos e relemos Chesterton. E a sua alegria nos encanta: o contínuo bom-humor, a genialidade endiabrada, a euforia feliz de si, a beatitude católica e alcoólica. Teria tentado processos contra quem se manchava com o crime da Muita Seriedade. E, se teve inquietações, procurou esquecê-las quando compunha as suas admiráveis farsas. Pouco antes de morrer, disse uma frase belíssima, que eu também gostaria de poder escrever em alguns anos: "Tornei-me velho sem me fatigar. A existência ainda é uma coisa admirável para mim, e dou-lhe as boas-vindas como a um forasteiro".

Trazia em si mesmo um Sancho e um Quixote. Às vezes, fingia o mais absoluto bom senso: às vezes, era habitado pelo capricho dos anjos; e Sancho e Quixote discorriam dentro dele; discutiam, brigavam, duelavam, até encontrar uma conciliação provisória. Amava a casa: tudo o que é fechado, limitado, ordenado. E desejava fugir de todas as coisas limitadas, porque se sentia um exilado ou um estrangeiro. Mas esse desejo de fuga acabava sempre por reportá-lo para casa.

Com uma parte de si, era infantil, como Stevenson. Queria brincar com os soldadinhos de chumbo: dizia que, em vez de gastar o tempo em coisas frívolas, como a literatura, gostaria de dedicar o seu tempo "a um trabalho sólido, sério e construtivo, como recortar figuras de papel e emplastar-lhes de cores vivas". Até os 60 anos, fez parte do menino tardio. Com a outra parte de si, era fascinado pela ambiguidade das coisas duplas, dos espelhos e dos reflexos. Nunca possuiu nenhuma candura, nenhuma inocência. Fingiu e encenou a candura e criou uma série de figuras "inocentes", "absolutamente inocentes", às quais confiou aquela graça divina que nunca o tinha habitado.

Às vezes, os escritores ressuscitam em novos escritores. Dickens reencarnou em Chesterton: ou Chesterton acreditava que ele havia reencarnado no seu grandíssimo corpo. Ele adorava Dickens. E dele cultivou principalmente o rio dos diálogos: o lugar onde a imaginação e a loucura podiam se desencadear mais livremente. Procurou fazer renascer na sua voz de conversador e de escritor as vozes de todos os geniais e insensatos falantes de Dickens. Que torrente verbal: uma euforia irrepreensível, uma falação programática, que se aferrava a todas as ideias e lhes variava ao infinito. "As palavras lhe saíam velozes como o relâmpago, mas ordenadas, como se fosse possível edificar uma catedral com a mesma velocidade com a qual um mágico constrói um castelo de cartas". Divagava sempre: divagava dentro de uma divagação; e dentro daquela divagação iniciava uma nova divagação, que oferecia o pretexto para uma outra. Teria dado a vida, e talvez a alma, para uma bela frase.

Tinha herdado a parte do filósofo medieval, que discutia diante dos estudantes sobre uma controvérsia sobre a Unidade e a Trindade de Deus: mas também a do "comediante errante", que recita em um palco do interior; e do bêbado de taverna, que fala demais durante horas sobre uma partida esportiva. Tinha uma ideia sobre todas as guerras: a guerra do Boers, o pecado original, o socialismo, o capitalismo, a grande guerra, o Prussianismo, os judeus, os operários, a Igreja católica, a missa, a família, o vegetarianismo, a cerveja, os ônibus vitorianos, a publicidade, os filmes norte-americanos – o que me parece inquietante. Polemizava, discutia, brigava, dizia obstinadamente que não. Ninguém era mais dogmático, fanático e sectário do que ele. Mas, no mesmo momento em que pronunciava um absurdo, compartilhava no íntimo a ideia dos seus rivais: tinha dificuldades para não a abraçar e, por essa tensão interna, exaltava com um fervor ainda mais frenético as próprias convicções.

Falou muito, escreveu muito. Às vezes, gostaríamos que ele parasse a sua incontrolável verborragia inclinando-se à divindade do silêncio. Às vezes ele o fez. Mas um dom o salvou nos romances e nos contos mais belos: o espírito de concentração e de simplificação – o mesmo que Voltaire, o seu grande inimigo, possuía. Com um leve gesto de mão, como um príncipe de um conto oriental, abolia a complexidade da imaginação e de sensações que trazia consigo. Tudo se reduzia a poucas linhas, que pareciam no vazio. E, naquele vazio, Chesterton desenhava formas geométricas breves, que havia aprendido com Poe, com Carroll e com Stevenson. Se Voltaire havia usado as formas breves para tornar a religião ridícula, ele recorreria às mesmas formas para tornar Deus, o bem, a teologia tomista e a Igreja católica loucamente divertidos.

Em "O homem que foi quinta-feira", em "A esfera e a cruz", em "Um homem vivo" e em "A taverna errante", Chesterton realizou uma extraordinária contaminação. Fundiu o "conte philosophique", o romance de aventuras, o balé, a pantomima, o "cafè-chantant", o espetáculo de circo, a mágica, a farsa, a mistificação. Em todo o lugar há gigantes gordos, "homens de fumaça", que escalam nas árvores e nos telhados, ou lancham entre os comilões, como o herói de "Um homem vivo". E em toda parte da cena chegam pelotões de policiais travestidos de anárquicos, ou de anárquicos travestidos de policiais. O ritmo das aventuras, das frases e das metamorfoses é tão vertiginoso que, no fim, não sabemos onde pousar o pé. Não sabemos se assistimos a Vitória radiosa do Bem ou o triunfo espetacular do Movimento.

Durante toda a vida, Chesterton defendeu o bom senso: a família, as coisas comuns, a poesia da precisão e dos horários ferroviários. Mas, com a parte mais profunda da sua alma, parecia-lhe que o bom senso era fastidioso. Tinha respeito por Satanás e pelos mensageiros de Satanás. Achava o mal muito mais divertido do que o bem, mesmo que nunca tenha confiado isso ao seu confessor. Vivia prazerosamente apenas com quem havia passado pelo mal. Assim confiou o seu coração e a sua inteligência ao Padre Brown, o pequeno padre de rosto redondo como o de Platon Karataev em "Guerra e Paz". Padre Brown sentia de longe "o odor do mal, como um cão sente o cheiro dos ratos".

Ele advertia isso em si mesmo: projetava crimes com a fantasia e possuía a arte dostoievskiana de se identificar com os grandes malvados.

Chesterton tinha uma modéstia encantadora. Falava com indiferença e desprezo dos seus romances e contos, como se fossem um apêndice insignificante da sua obra de defensor da Fé. Com a alegria e a "gratidão incoerente" que ele dedicava a Dickens, nos damos conta de que ele estava errado (ou fingia estar errado) completamente. Muitos dentre os contos da série do Padre Brown pertencem às obras-primas narrativas do nosso século. Uma sabedoria geométrica, um brilho intelectual, uma arte da concentração, um leve perfume gótico, uma delicadeza de toque é o que revelam seus contos "Os estranhos passos", ou "A cruz azul", ou "Os pecados do príncipe Saradine" ou "O sinal da espada despedaçada".

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