Por Gustavo Corção
Fragmento retirado do capítulo O crime, da obra de Gustavo Corção, Três alqueires e uma vaca, Editora Agir, 1961, p.144-145.
A força do Padre Brown está no bom senso e no olhar poético e místico com que vê o mundo. Está até numa certa dose de distração e sonolência com que se alivia do penoso trabalho de catar pontas de cigarros e impressões digitais. Diante dos dados concretos, cândidamente apreendidos, interpretados muitas vezes ao pé da letra, ele se encontra em simpatia com o criminoso, e inventa poeticamente, ou recorda misticamente, como praticaria ele o crime.
O leitor que ainda não conheça as façanhas do Padre Brown estará nesse momento, eu o receio, pensando que são as novelas carregadas de tese e ostentadoras de uma idéia fixa. Mas não é isso. A constância de uma idéia não forma uma tese nem merece o nome de idéia fixa. Há certas constâncias que são essenciais a qualquer novela, e uma idéia verdadeira é justamente a que melhor se dissolve, deixando de ser uma idéia. Por mais variadas que sejam as situações dos personagens, uma profunda semelhança no modo de andar, falar e assoar o nariz. Se tentarmos introduzir uma nota nessas atitudes os personagens deixarão de ser isso que entendemos por homem, mulher e criança.
O que eu quero dizer, é que a idéia que Chesterton tem do mistério do homem é análoga à idéia que ele tem do nariz e das pernas do homem. Por isso suas novelas não cheiram a tese mas guardam a profunda constância pela qual se descobre a semelhança entre o padre e ladrão. São cúmplices. Há entre eles uma comunhão. Pertencem à mesma quadrilha, e moram ambos na ampla e feérica caverna onde se partilham o lucro da rapinagem e o prêmio da santidade."
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