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16.12.10

CHESTERTON, um GIGANTE invisível

Por Diego Guilherme da Silva
Publicado no Boletim da UFMG, (CHESTERTON, um GIGANTE invisível) nº 1720 - Ano 37, na data 22.11.2010. 


Muitos são os autores que deixaram marcadas com suas “penas” as páginas da literatura universal. No entanto, apesar de clássicos, ficam esquecidos como nota de rodapé de velhos livros empoeirados. É evidente o desconhecimento de grande parte dos brasileiros em relação a um dos maiores escritores do século 20 que, juntamente com outros dois ingleses, C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien, se tornou um clássico da literatura universal.

Gilbert Keith Chesterton, também conhecido pela sigla G.K.C., ou apenas Chesterton, nasceu em Kensington, distrito central de Londres, em 29 de maio de 1874. Batizado no Anglicanismo, desde cedo sentiu um chamado da Igreja Católica, à qual se converteu em 1922, aos 48 anos de idade. Chesterton é um desses homens de letras muito difícil de classificar, pois era romancista, poeta, crítico literário, ensaísta, polemista, apologista, jornalista, biógrafo, cartunista e filósofo. Os escritos chestertonianos se compõem de frases geniais e paradoxais, que, mesmo tomadas isoladamente, nos permitem ver a lucidez de seu pensamento. Seu bom humor era tamanho que, perguntado certa vez por um jornalista que livro levaria para uma ilha deserta, respondeu: “Um manual de como construir uma canoa”.

Filósofo do senso comum em um século marcado pela exaltação alucinada da razão, chamado a prestar contas sobre todos os mistérios entre o céu e a terra, Chesterton também bateu de frente com o pensamento dos céticos, a quem certa vez se referiu nestes termos: “Nossos céticos modernos sempre começam afirmando aquilo em que não acreditam. Mas mesmo de um cético queremos saber primeiro o que ele faz crer. Antes de discutir, queremos saber o que não precisamos discutir. E essa confusão aumenta infinitamente pelo fato de que todos os céticos do nosso tempo são céticos em diferentes graus de dissolução do ceticismo.” (Philosophy for the Schoolroom).

Escreveu os livros Ortodoxia (1908), The Heretics (1905), O homem que foi quinta-feira (1907), São Francisco de Assis (1923), O Homem Eterno (1925), A Inocência do Padre Brown (1911), Santo Tomás de Aquino: biografia (1933), obra a que Étienne Gilson assim se referiu: “Chesterton desespera qualquer pessoa. Estudei Santo Tomás a vida inteira e nunca teria sido capaz de escrever um livro como este.” [...] E conclui dizendo que “Chesterton foi um dos pensadores mais profundos que existiram. Era profundo porque tinha razão, e não podia deixar de tê-la; mas tampouco podia deixar de ser modesto e amável; por isso, considerava-se um entre muitos, desculpava-se de ter razão e fazia-se perdoar a profundidade com o engenho”.

Por meio do livro A Inocência Do Padre Brown, ele se tornou mais conhecido no Brasil. G.K.C. criou um personagem muito diferente daqueles que normalmente povoavam a literatura policial, como os detetives C. Auguste Dupin, de Allan Poe, e Sherlock Holmes, de Conan Doyle. O detetive que descobre os casos insólitos é um simples sacerdote, Padre Brown, que aparenta ingenuidade, mas age com incríveis perspicácia e agudeza investigativa.

Escreveu também mais de quatro mil artigos. Durante 30 anos colaborou semanalmente com o Illustrated London News e, ao longo de 13 anos, escreveu para o Daily News, além dos textos diversos que redigiu para o seu próprio jornal, o G.K.’s Weekly. Chesterton valia-se desses espaços para combater a mentalidade modernista, cientificista e reducionista. Travou longas batalhas com intelectuais como George Bernard Shaw, Herbert George Wells, Bertrand Russell e Clarence Darrow.
Estabeleceu uma amizade fecunda com Hillare Belloc, levando um dos seus opositores a se referir aos dois como o “monstro biforme Chesterbelloc”. Eles são os autores do Distributismo (ou Distribucionismo), teoria política crítica do capitalismo e do socialismo sob inspiração cristã. Para eles, a propriedade privada não deveria ser abolida, e sim impedida de se concentrar nas mãos de uns poucos. “O problema do capitalismo é que não há capitalistas suficientes”, afirmava Chesterton.

Também recebeu elogios de Jorge Luiz Borges, que se referia a ele como “um homem de gênio, um grande prosador e um grande poeta. A literatura é uma forma de felicidade, talvez nenhum escritor me desse tantas horas felizes como Chesterton”. Intelectuais brasileiros como Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima foram influenciados pelas obras do inglês. Apesar de desconhecido da grande maioria dos leitores brasileiros, artigos e livros de Chesterton têm sido traduzidos por iniciativa, entre outros, do professor Antônio Emílio Angueth, do Instituto de Ciências Exatas da UFMG. Tarefa que não é nada fácil, dada a dificuldade em reproduzir o sentido irônico e paradoxal de que muitas vezes Chesterton, como bom inglês, se utiliza para combater os adversários.

Chesterton morreu em 14 de junho de 1936, em sua residência, em Beaconsfield. É uma pena que não seja tão conhecido no Brasil; devemos tornar visível e acessível à nossa língua a obra desse gigante. Se vivo fosse, certamente não se preocuparia com o fato de seu desconhecimento entre nós. Pelo contrário: talvez até demonstrasse um esboço de sorriso e pensasse na frase registrada no livro All things considered: “Clássicos são escritores que podemos elogiar sem nunca tê-los lido.”

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