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28.8.12

Em defesa do distributismo - Por que socialismo e distributismo são totalmente opostos

 Christopher A. Ferrara
Artigo publicado no jornal REMNANT,
In Defense of Distributism - Why Socialism and Distributism are Wholly Antithetical
Traduzido por Davi James Dias
Tradução e publicação autorizada pelo jornal

 Distributismo é apenas capitalismo com moralidade.” – Robert Laskey
Nos últimos anos, alguns porta-vozes do neoliberalismo, autointitulados “conservadores” e libertários, empenharam-se em desmantelar um crescente movimento pela independência econômica, denominado “distributismo”. O ataque neoliberal ao distributismo anda junto com o processo pelo qual os católicos, por quase dois séculos, vêm sendo empurrados pelo bicho-papão do socialismo ao reino do capitalismo laissez-faire radical, onde as empresas comercializam de tudo, desde pornografia até zigotos humanos, sem barreiras legislativas, e onde o Grande Capital se alia com o Grande Governo para destruir a ordem moral. O distributismo está sob ataque justamente porque representa, no domínio econômico, uma alternativa ao interminável jogo de cara-e-coroa dos liberais.
Não, não é socialismo
Que é distributismo, então? Ao contrário do que afirmam os nossos críticos, distributismo não significa a redistribuição de riqueza pelo governo, o que seria socialismo, mas, antes, a distribuição natural de riqueza que se dá quando os meios de produção se encontram distribuídos o mais amplamente possível na sociedade.
Basicamente, o distributismo consiste em empresas familiares de qualquer espécie (não só chácaras – como insinuam ser nossa opinião alguns críticos zombeteiros), ou firmas cuja propriedade pertence aos empregados (chamadas cooperativas), ou ainda pequenas empresas e empresas de médio porte que atuam local ou regionalmente. Também pequenos negócios e trabalhos independentes, em geral, correspondem ao distributismo na prática. Assim também o crescente movimento pela produção local de alimentos (de que participam muitos tradicionalistas) e os boicotes generalizados ao Wal-Mart e a outras gigantes multinacionais responsáveis pela aniquilação dos pequenos negócios e pela destruição do comércio de bairros.     
Com o seu peculiar talento para exprimir a essência das coisas, Chesterton formulou a ideia distributista: “Capitalismo demais não significa capitalistas demais, mas capitalistas de menos.” O distributismo espera aumentar o número de possuidores de propriedade privada, estimulando os indivíduos e as famílias a adquirir ou criar seus próprios meios de produção, em vez de depender de salários. Isso, na prática, pode significar muito bem os “três alqueires e uma vaca” de Chesterton, assim como, na economia moderna, “três computadores e um escritório em casa”.
E porque busca restabelecer a vida microeconômica – o comércio entre bairros nos bairros –, o distributismo é um movimento pela emancipação da ordem econômica globalizada, intricada, dependente do governo e perigosamente frágil, que risivelmente se apresenta hoje como “livre iniciativa”. Qualquer pessoa que pense que “livre iniciativa” quer dizer Wal-Mart, com suas legiões de chineses pagos com salários escravos a labutar em benefício de acionistas americanos, sob a canga de um governo comunista que sequer lhes permite ter filhos, precisa consultar depressa a Doutrina Social Católica. Algo muito errado se passa na ordem moral, quando os fundadores do Wal-Mart repousam sobre uma carteira de ações de 84 bilhões de dólares, construída em grande parte com trabalho quase escravo, enquanto os “assistentes de venda” da rede varejista não conseguem sustentar as próprias famílias ou dar conta de seus gastos médicos, embora uma pequena fração dos bilhões da família Walton fosse suficiente para pagar, por uma vida inteira, um plano de saúde para todos os funcionários do Wal-Mart.
Não estou sugerindo que o governo confisque a riqueza da família Walton. Claramente a questão é que os Walton deveriam fazer justiça aos seus esforçados funcionários sem a necessidade de uma ordem governamental, isto é, eles deveriam aplicar a lei do Evangelho na condução dos seus negócios. No livro The Church and the Libertarian, eu revelo como a Costco, cujo cofundador e diretor executivo é um católico imerso na Doutrina Social da Igreja, paga a seus empregados o salário-família e 92% dos seus gastos médicos.    
O distributismo é bem sucedido na medida em que as pessoas se recusam a participar da cultura do capitalismo de massa. Trata-se de um modo de vida, não de um programa de governo. É uma forma de rompimento pacífico com uma ordem econômica dominada por multinacionais que escarafuncham o mundo inteiro em busca de trabalho quase escravo, corrompem a moralidade pública e privada divulgando incontáveis vícios, destroem a indústria nacional, obtêm continuamente vantagens do governo e exigem, sempre que necessário, concessões de tratados e socorros financeiros para evitar o colapso de suas estruturas absurdamente inchadas – e, não fosse isso, insustentáveis. O distributismo é uma justa reação contra os desvios morais e os excessos materiais condenados pelo Magistério, encíclica sobre encíclica, e sintetizados numa expressão memorável por Wilhelm Röpke, pensador luterano e defensor do livre mercado: “o culto do colossal”.         

Portanto, socialismo e distributismo são antagônicos. Repito-o: socialismo é o oposto de distributismo. Quem insinua que o distributismo é uma forma de socialismo está mal informado ou de má-fé. Até mesmo o verbete da Wikipedia diz com acerto: “Distributismo (também conhecido como distribucionismo ou distributivismo) é uma filosofia econômica de terceira via, formulada por pensadores católicos como G. K. Chesterton e Hilaire Belloc, com o fim de aplicar os princípios da Doutrina Social Católica sistematizados pela Igreja Católica, particularmente na encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, e mais amplamente expostos pelo Papa Pio XI na encíclica Quadragesimo Anno... O distributismo destaca-se, na prática, pela ideia da distribuição da propriedade (não confundir com redistribuição da riqueza).” Apresso-me em dizer que um distributista não há de endossar todas as propostas práticas defendidas por Chesterbelloc, mas apenas a meta da ampla distribuição da propriedade dos meios de produção, alcançando, a partir daí, a verdadeira liberdade econômica para o indivíduo e a família, como célula básica da sociedade.
Que se quer dizer com uma “terceira via”? Apenas que distributismo não é nem socialismo, nem capitalismo. Como disse Thomas Storck: “Tanto o socialismo, quanto o capitalismo, são produtos do Iluminismo europeu, e constituem, portanto, forças modernizadoras e antitradicionais. O distributismo, ao contrário, busca subordinar a atividade econômica à vida humana integral, isto é, à nossa vida espiritual, intelectual e familiar.” É justamente isso que os Papas propõem em sua doutrina social.

A sórdida preocupação dos próprios interesses
Como Pio XI afirmou na Quadragesimo anno (1931), o liberalismo social e o liberalismo econômico têm uma raiz comum no abandono dos preceitos do Evangelho, em consequência do pecado:
A raiz e fonte desta defecção da lei cristã na vida social e econômica, e da consequente apostasia da fé católica para muitos operários, é a desordem das paixões, triste efeito do pecado original; este perturbou de tal maneira a admirável harmonia das faculdades humanas, que o homem, facilmente arrastado pelas más paixões, se vê fortemente incitado a preferir os bens caducos da terra aos eternos e permanentes do céu. D'aqui aquela sede inextinguível de riquezas e bens temporais, que, se em todos os tempos arrastou os homens a quebrar a lei de Deus e conculcar os direitos do próximo, nas atuais condições econômicas arma à fragilidade humana laços ainda mais numerosos. 
Foi justamente essa “sede inextinguível de riquezas e bens temporais” que causou a crise econômica de 2008. De fato, a Quadragesimo poderia ter sido escrita para descrever a atmosfera geral nas empresas por ocasião desse acontecimento:
Pois que aproveita aos homens poderem mais facilmente conquistar o mundo inteiro com uma distribuição e uso mais racional das riquezas, se com isso mesmo vêm a perder a alma? (cf. Mt 15,26) Que aproveita ensinar-lhes os princípios da boa economia, se com avareza sórdida e desenfreada se deixam arrebatar de tal maneira do amor dos próprios bens, que “ouvindo os mandamentos do Senhor, fazem tudo o contrário”? (cf. Judic., 2, 17.)
Com efeito, a incerteza da economia e mais ainda a sua complicação exigem dos que a ela se aplicam uma contenção de forças suma e contínua; em consequência, algumas consciências calejaram de tal maneira, que julgam lícitos todos os meios de aumentar os lucros e defender contra os vaivéns da fortuna a riqueza adquirida à custa de tantos esforços e trabalhos.
As instituições jurídicas destinadas a favorecer a colaboração dos capitais, dividindo ou diminuindo os riscos, dão lugar muitas vezes aos mais repreensíveis excessos. Com efeito, vemos a responsabilidade tão atenuada, que já a poucos impressiona; sob a tutela de um nome coletivo praticam-se as maiores injustiças e fraudes; além disso, os gerentes destas sociedades econômicas, esquecidos dos seus deveres, atraiçoam os direitos daqueles cujas economias deviam administrar.
É ridícula a alegação de que a crise econômica resultou simplesmente da política monetária do Banco Central dos Estados Unidos. A crise foi uma verdadeira tempestade de ganância, causada (a) pela cobiça dos criadores de hipoteca e corretores que, a fim de lucrar com taxas bancárias e comissões, concederam empréstimos impossíveis; (b) pela avidez de pessoas que, com o objetivo de adquirir muito mais do que de fato precisavam, tomaram emprestado muito mais do que poderiam pagar; (c) pelas taxas de juros usurárias para hipotecas com taxas variáveis e cartões de crédito; (d) pelas hipotecas de risco, fraudulentamente empacotadas por seus criadores como montes de títulos inúteis e vendidas, como se fossem ótimos investimentos, por empresas de investimento com enganosas classificações “AAA” dadas por agências de classificação financeira; e (e) pela prática de cercar esses ativos venenosos com “swaps” contra descumprimento de compromissos de crédito, fazendo com que as mesmas empresas que mascatearam tais ativos para os clientes apostassem no fracasso dos próprios investimentos recomendados por elas, gerando vultosos pagamentos de seguro para as empresas de investimento, ao passo que seus clientes sofriam prejuízos catastróficos. (Cf. The Church and the Libertarian, Cap. 13).
Tudo isso se passou em um ambiente desregulamentado, onde bancos de depósito, então proibidos de tomar parte em investimentos de risco, deixaram de sofrer tal restrição; onde empresas de investimento, então limitadas ao capital próprio de seus parceiros, passaram a poder acumular grandes somas de capital de risco mediante ofertas públicas de ações; e onde “swaps” contra descumprimento de compromissos de crédito foram comercializados como títulos não regulamentados. Isso resultou numa pilha enorme e oscilante de varetas, num pega-varetas prestes a desmoronar, bastando para tanto que alguém tirasse a vareta errada.
Em suma, a crise representa o que Pio XI chamou de “a sórdida preocupação dos próprios interesses, que é a desonra e o grande pecado do nosso tempo...”. A redução da taxa de juros, por parte do Banco Central americano, causou nas pessoas a sórdida preocupação dos próprios interesses (que levou à crise financeira mundial) não mais do que uma pistola causa o suicídio de alguém. Em todo caso, o mesmo Banco Central dos Estados Unidos – que, sem dúvida, deveria ser extinto – é fruto da manipulação capitalista do poder estatal: na prática é um cartel de bancos privados que sequer tem de prestar contas ao governo, motivo pelo qual os próprios libertários que deploram a existência do Banco Central americano (ao mesmo tempo em que, por conveniência, fingem não ver suas amargas origens capitalistas) reclamam uma auditoria que o Congresso se recusa a exigir.
Um movimento pela liberdade econômica segundo o Evangelho
Não seria possível crise financeira alguma em uma ordem social católica, pois nela a atividade econômica haverá de ser ordenada, como escreveu Pio XI, pela “suavíssima e igualmente poderosa lei da moderação cristã, que manda ao homem buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça, seguro de que também na medida do necessário a liberalidade divina, fiel às suas promessas, lhe dará por acréscimo os bens temporais.”.
O distributismo é apenas a livre iniciativa orientada pelo Evangelho, conforme sintetizado por Nosso Senhor nos dois mandamentos maiores: amor a Deus e amor ao próximo. Retire da livre iniciativa “a sórdida preocupação dos próprios interesses” e a ambição ilimitada, coloque o amor a Deus e ao próximo, e verá emergir naturalmente a mesma ordem econômica de que muitos de nós ainda somos bastante velhos para lembrar: a economia da mercearia local, da loja de ferragens e das sociedades de poupança e empréstimo; uma economia em que se podia abastecer uma casa de família por meio apenas de trocas com os vizinhos, sem sair do bairro; uma economia realizada em escala humana por seres humanos, e não por meio de “pessoas” corporativas fictícias criadas por decreto governamental, as quais apresentam todas as características das personalidades psicopatas.  
A restauração daquilo a que Röpke chamou economia humana também não é apenas uma questão da moralidade “pessoal” que o capitalista decidirá observar ou não, segundo seu capricho (conforme defenderiam os libertários). Os imperativos do Evangelho precisam se refletir em leis e instituições. No âmbito econômico, assim como no político, não existe separação entre moralidade pública e “privada”, mas um código moral divinamente ordenado a reger toda a sociedade. Um capitalista não ama a Deus e ao próximo quando explora seus funcionários, quando vende pornografia ou injeta imundície moral, por qualquer meio, na sociedade, quando oferece serviços de aborto, quando usura e superfatura, quando especula negligentemente com o dinheiro dos clientes, quando viola o dia do Senhor com vil comércio, quando subtrai aos mais fracos pechinchas absurdas, quando despeja lixo tóxico nos rios e no solo ou quando pratica outros incontáveis crimes contra a ordem moral e o bem comum.
A autoridade civil – especialmente a local, em conformidade com o princípio de subsidiariedade – tem o direito de impedir a depredação capitalista mediante uma legislação apropriada, incluindo-se sanções penais. Afinal, não estamos à mercê de diretorias de empresas que não receberam autoridade alguma de Deus para nos governar com decisões que afetam o bem comum moral, espiritual e material.       
O Papa João Paulo II ensinava conforme seus predecessores ao declarar, no aniversário da Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que a Igreja não pode aprovar o capitalismo se, por esse nome, “se entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso...”. O distributismo, como movimento por uma economia humana em escala humana – ou seja, uma economia mais conforme ao Evangelho –, respeita os limites éticos e religiosos na atividade econômica, e conduz naturalmente os homens do culto do colossal para uma ordem econômica que subordina a busca de bens materiais ao destino eterno da pessoa humana.
Distributistas no movimento “Occupy Wall Street”
Em um artigo para o Remnant, Richard Aleman relatou que ele, John Rao e eu estivemos no local da manifestação do movimento “Occupy Wall Street”, com o objetivo de apresentar a defesa católica da justiça econômica. Não fomos lá para comungar com hippies ou apoiar qualquer tipo de ideologia de esquerda. Fomos lá por reconhecermos que muitas das almas errantes reunidas no parque Zuccotti suspeitavam que havia algo de radicalmente errado com a ordem econômica moderna, embora não tivessem uma ideia clara do que fosse.
Vimos o protesto de “Occupy” como uma busca neopagã pelo Deus Desconhecido. Aos que se dispuseram a nos ouvir, dissemos que o Deus que procuram é Aquele que nos deu seu Evangelho para o bem comum dos homens e das nações. Entregamos-lhes trechos da Quadragesimo Anno e um folheto com os princípios do que seria uma economia humana e distributista – sem uma única intervenção do governo –, se as pessoas simplesmente subordinassem a busca de bens materiais ao bem supremo da eterna beatitude. Sentimo-nos obrigados a dizer ao maior número de pessoas possível que a questão social fundamental que os unira – inconscientemente ou não – é a apostasia da civilização ocidental, e que não pode haver nenhuma estratégia para alcançar a justiça social fora do caminho que a Igreja Católica assinalou para os homens e as nações. Como disse Pio XI:
É certo que todos os verdadeiramente entendidos em sociologia anseiam por uma reforma moldada pelas normas da razão, que restitua a vida econômica à sã e reta ordem. Mas esta ordem, que também Nós ardentemente desejamos, e procuramos com o maior empenho, será de todo falha e imperfeita, se não tenderem de concerto todas as energias humanas a imitar a admirável unidade do divino conselho e a consegui-la, quanto ao homem é dado: chamamos perfeita aquela ordem apregoada pela Igreja com grande força e tenacidade, pedida mesmo pela razão humana, isto é: que tudo se encaminhe para Deus enquanto fim primário e supremo de toda a atividade criada, e que se considerem todos os bens criados por Deus como instrumentos dos quais o homem deve usar tanto, quanto lhe sirvam a conseguir o fim último. 
É de fato muito simples: aplicar os dois mandamentos maiores na busca de bens materiais é ser, mais ou menos, um distributista. Confiando na Providência, um distributista não deixará faltar nada à sua família e será o primeiro a defender a propriedade privada como algo fundamental à liberdade ordenada – e isso não apenas em oposição ao governo, mas também às grandes empresas que estão implacavelmente pisando o direito dado por Deus de trilharmos nosso caminho com nossos próprios meios.  
Não deixa de ser irônico que católicos que se consideram libertários defendam um coletivismo de empresas sustentado com assistência governamental – coletivismo esse tão amplo que equivale, na prática, a um socialismo “privado” –, enquanto atacam os distributistas por sua defesa verdadeiramente libertária da independência econômica para o indivíduo e a família, numa economia que não dependa do trabalho de chineses pagos com salários escravos.
Coloquemos um ponto final nessa demagogia. E possa o Remnant ajudar os católicos a se orientarem rumo àquela economia humana que o Magistério sempre almejou.

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