Diego Guilherme da Silva
Editor do site Chesterton Brasil
Publicado originalmente na Revista In Guardia, Ano I, v. 5, abril 2012
Gilbert
Keith Chesterton (1874-1936) era versado na arte das letras. Além de
jornalista, romancista, poeta, crítico literário, ensaísta, polemista,
apologista, biógrafo, cartunista e filósofo (e pensarem que esgotamos seus
dons, ainda não), Chesterton também trilhou pelo campo da economia.
Motivado
pela Encíclica Rerum Novarum[1]
(Das Coisas Novas), do Papa Leão XIII, publicada em 1891, que marcou o
pensamento da época e foi inspirando a Doutrina Social da Igreja, que apesar de
sempre presente no catolicismo ainda não estava sistematizada, Chesterton,
desiludido com as falsas esperanças propostas pelo capitalismo e socialismo,
juntamente com seu amigo Hilaire Belloc (1870-1953), autor do livro Estado
Servil (1912), Chesterton escreveu a respeito:
“quando o Sr. Belloc escreveu a
respeito do Estado Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão
original que quase ninguém ainda percebeu do que se trata.”[2],
e também com o apoio do Pe. Vincent Joseph McNabb, desenvolveram uma
filosofia econômica conhecida como Distributismo, visto como ‘terceira’ via ao
invés do capitalismo e socialismo. Pois, segundo a máxima de Chesterton: Capitalismo demais não significa
capitalistas demais, mas capitalistas de menos.
Chesterton
e Belloc, ou “ChestertonBelloc”, como Bernard Shaw os chamavam, verão de perto
as transformações tecnológicas e industriais que a Inglaterra vivenciou ao
final do século XIX e início do século XX. As rápidas mudanças do estilo de
vida, a poluição, ganância, pobreza e a desestabilidade da família ocasionada
pela pobreza, exploração dos menores não deixaram de chamar a atenção de
Chesterton, tão zeloso e amoroso com o tema ‘lar’, que remete a família. Ele
não se esqueceu que economia também significa ‘administração doméstica’,
‘administração do lar’. Tinha presente que a economia não é uma ciência exata e
fria reduzida a dados quantitativos, mas sim humana, pois está atrelada
diretamente as nossas relações humanas, devendo, portanto, ser pautadas no
respeito à dignidade da pessoa humana e em vista ao bem comum. Pois, afinal, o
princípio e fim de tudo estão na transcendência.
Para
Chesterton tudo começa na família, no lar. Fantástico mundo da criança,
primeiro contato dela com a realidade. Ele via claramente o perigo da sociedade
capitalista monopolista: “Um inimigo
ainda mais feroz da família é a fábrica. Entre estas coisas mecânicas modernas
a instituição natural antiga não está sendo reformada, modificada ou mesmo
podada: ela está sendo dilacerada. E ela não está sendo dilacerada no sentido
de uma metáfora verdadeira, como a de um ser vivo preso em uma engrenagem
medonha de uma máquina. Ela está sendo, literalmente, rasgada ao meio, como
quando o marido vai para uma fábrica, a esposa para outra, e a criança para uma terceira. Cada um deles se
torna o servo de um grupo financeiro diferente, que cada vez mais ganha o poder
político de um grupo feudal. Mas enquanto o feudalismo recebia a lealdade das
famílias, os senhores do novo estado servil recebem apenas a lealdade de
indivíduos, ou seja, de homens solitários e até mesmo de crianças perdidas.”[3]
O
sistema capitalista monopolista afronta
e embrutece o homem o tornando escravo do materialismo, pelo contrário, o
socialismo, também materialista, com seu falso messianismos, propõe a
felicidade ao homem aqui na terra com a simples mudança do sistema econômico e
sua ‘distribuição’, que na verdade é a posse por parte do Estado - que, diga-se
de passagem, não é uma entidade sobrenatural – da propriedade privada, não oferecendo
soluções concretas para o problema da má distribuição da propriedade e o bem
comum. Chesterton via claramente os dois sistemas e seus respectivos erros.
Dócil
ao ensinamento do Magistério da Igreja, responde Chesterton e Belloc ao momento
conjuntural complexo da Inglaterra com a teoria distributivista. Teoria essa
que rapidamente começou a ganhar admiradores. Chesterton e Belloc criaram então
a Liga Distributivista. O objetivo da Liga era “restaurar a propriedade”, segundo pronunciou Chesterton no discurso
inaugural. Chesterton foi eleito o primeiro presidente da Liga. Ele escreveu
uma série de artigos sobre sua teoria no G.K.’s
Weekly, os quais foram compilados no livro The Outline of Sanity (1926).”
Podemos
ver claramente a influência das idéias distributivistas na obra O Senhor dos Anéis (escrito entre 1937 e
1949), de J.R.R. Tolkien, segundo Matthew P. Akers: “Tolkien inclui soluções distributivistas para os problema associados
com o desenvolvimento econômico em sua trilogia. O Condado, lar dos Hobbits,
sofre muitos dos problemas de nossa sociedade moderna, em particular uma crise
econômica, a destruição de seu meio ambiente e a tentação do imperialismo.
Examinemos, pois, como os Hobbtis do Condado aplicam os princípios
distributivistas a esses problemas para ver como poderíamos tratar esses mesmo
problema em nossa sociedade”.[4]
Infelizmente o filme dirigido por Peter Jackson não reproduz muito bem essas
passagens da obra.
O
Distributismo, basicamente, possui como bases três fundamentos presentes na
Doutrina Social da Igreja: Propriedade Privada, princípio da Solidariedade e
princípio da Subsidiariedade. Explicamos
cada um deles:
O
primeiro e mais importante princípio do distributimo é o da Propriedade Privada. Para Chesterton a
propriedade privada era sagrada. No universo de uma propriedade, pois a
propriedade é “um território circunscrito
em que ele [o homem] é rei”. Pois assim Chesterton defendia que “a propriedade privada deve ser distribuída com
suficiente e decente igualdade”. Pois, como nos é lembrado por Leão XII, a
propriedade “é de direito natural para o
homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem
vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária” (12), afinal “não é das leis humanas, mas da natureza, que
emana o direito de propriedade individual” (28). Todos os homens possuem,
portanto, direito a uma propriedade. Isso é imprescindível para sua dignidade
como pessoa, afinal, Deus deu a terra para que o homem a dominasse e não para
que os homens dominassem, no extremo oposto ao sentido de dominar cristão, uns
aos outros.
O
tema propriedade privada terá tanta importância para Chesterton que em diversos
artigos encontramos cometário a respeito
do tema. Em um capítulo do livro The
Well and the Shallows (1935) intitulado Sex and Property, Chesterton nos alerta para o risco de não usufruirmos bem da
propriedade “a noção
de reduzir a propriedade ao mero fruir do dinheiro é idêntica à noção de
reduzir o amor ao simples gozo do sexo.”
O
segundo fundamento é o Princípio da Solidariedade que propõe, segundo Don Pedro Jiménez, em seu artigo, Sobre el
distributismo[5],
que aqui “não nos referimos a
solidariedade vã e falsa, mas sim uma muito profunda, que seria melhor chamada
de caridade.” Pois, “o Estado deve trabalhar de maneira subsidiaria para o bem
comum de cada comunidade. Não importa se perde eficiência em muitas coisas, o
importante é trabalhar para e pelo bem comum, ou seja, tomar aquelas medidas
que promovam a virtude entre as pessoas e dessa maneira a sua felicidade.”[6]
Por
fim o terceiro pilar da teoria é o Princípio da Subsidiariedade que propõe,
também segundo Don Pedro Jiménez, “dito de uma maneira simples, que o que possa fazer uma entidade pequena não faça
uma entidade grande. A entidade menor é o indivíduo, assim é que aquelas coisas
que possam fazer o indivíduo não o faça as grandes empresas. O princípio de
subsidiariedade deveria reger tanto na face econômica quanto política. Este
princípio é básico e fundamental para o funcionamento de um sistema
distributivista.”
Ultrapassa
minhas limitadas capacidades aprofundar mais sobre o Distributismo. Fica o
convite para que conheçamos mais profundamente no estudo e aplicação da
Doutrina Social da Igreja. Fica, também, o convite de Chesterton para
conhecermos mais sobre o Distributismo. Concluimos com um trecho do excelente
(e recomandado) artigo do Padre Ian Boyd, uma das (eu creio que A) maiores
autoridades sobre Chesterton no mundo, El
distributismo y la crisis cultural, disponível no site The Distributism
Review, a respeito do pensamento social de Chesterton: “O
pensamento social de Chesterton está baseado na convicção de que Deus, que é a
realidade última, está presente na sociedade e história do homem.
[1] LEÃO XII. Carta Encíclica Rerum Novarum. Sobre a Condição dos
Operários. Publicada em 1891. Confira aqui:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html
CARTA ENCÍCLICA
[2] Chesterton G. K. Capítulo Why I am a Catholic, disponível na obra Twelve Modern Apostles and Their Creeds
(1926). Traduzido por Antonio Emilio Angueth de Araujo. Leia mais: http://chestertonbrasil.blogspot.com/search/label/Por%20que%20sou%20cat%C3%B3lico#ixzz1nJZy3H79
[3] CHESTERTON, G.K. The Superstition
of Divorce. Capítulo
A história da família. Tradução:
Carlos Ramalhete. Confira aqui: http://chestertonbrasil.blogspot.com/2012/02/v-historia-da-familia.html#ixzz1nJh3Lg2a
[4] Matthew P. Akers. Publicado na revista Distributims Review. El Distributismo en la Comarca. Tradução : Alfonso Díaz Vera.
http://distributistreview.com/mag/2011/03/el-distributismo-en-la-comarca/
[5] Don
Pedro Jiménez de León. Sobre el
Distributismo, artigo publicado na Distributism
Review. Confira aqui: - http://distributistreview.com/mag/2010/06/sobre-el-distributismo/
[6] Idem
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