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26.5.12

A influência de Tomás de Aquino na obra de G. K. Chesterton


A influência de Tomás de Aquino na obra de G. K. Chesterton*

Ivanaldo Santos**



"Recomendo o Chesterton como se recomenda o quinino, principalmente para aqueles que por dever de ofício freqüentam os mangues da inteligência, as paragens encharcadas de lugares comuns, as baixadas do pensamento: para aqueles que possam confundir catolicismo com sisudez e cultura com academias” (Gustavo Corção).

O presente estudo tem por objetivo apresentar, de forma introdutória, a influência de Tomás de Aqunio na obra de G. K. Chesterton. Apesar de não ser um estudo exaustivo sobre essa influência é possível perceber que o Aquinate exerceu grande papel na construção da bela e elogiável obra literária de Chesterton. Para tanto, o estudo foi dividido em duas partes: 1. G. K. Chesterton e 2. A influência de Tomás de Aquino na obra de Chesterton.
 

1.      G. K. Chesterton

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) foi um dos grandes escritores do século XX. Ele produziu uma obra literária de rara beleza que, simultaneamente, refletiu, criticou e ironizou com as crenças e valores do homem moderno. Entre essas crenças estão às doutrinas filosóficas desenvolvidas no século XIX e XX, tais como: o positivismo, o niilismo e o materialismo. Por meio da literatura, ele denunciou o caráter neopagão, anticristão, alienante e autoritário da sociedade contemporânea, a qual fala constantemente em liberdade, mas nega, conscientemente, o direito que o cidadão possui de viver sua fé e de experimentar as respectivas práticas socioculturais decorrentes dessa vivência. De acordo com James Patrick[1], Chesterton demonstrou que o Ocidente contemporâneo padece de uma doença que pode ser classificada como a universalização da alienação, ou seja, um processo onde, sistematicamente, o homem contemporâneo pensa ter poderes ilimitados, prolongar a vida indefinidamente e controlar o cosmos e a realidade. Em outras palavras: o homem contemporâneo pensa ser o próprio Deus. É por causa disso que Ricardo Quadros Gouvêa afirma que, no século XX, “Chesterton profetizou sobre as práticas religiosas neopagãs e anticristãs da sociedade contemporânea”[2].    
Todo esse talento pode ser encontrado em obras primas da literatura ocidental contemporânea, como, por exemplo, O homem que foi quinta-feira[3] e Ortodoxia[4]. É por causa disso que a Chesterton Society (Sociedade Chesterton), fundada na Inglaterra em 1974, por ocasião do centenário do nascimento do grande escritor, se dedica a difundir a obra e o pensamento de Chesterton. Dentro do trabalho de difusão existe o Chesterton Day (Dia de Chesterton), encontro de aficionados pelo grande escritor britânico, o qual é comemorado no dia 02 de julho de cada ano em vários países do mundo, como, por exemplo, Inglaterra, Itália e EUA.   
Além disso, Chesterton foi um dos grandes intelectuais que se converteram ao catolicismo no século XX[5] e, com isso, contribuiu, com seu testemunho e com sua obra literária, para que uma geração de intelectuais se convertessem, durante o século XX e início do XXI, em várias partes do mundo, a fé da Igreja[6]. Nas palavras de James Patrick, Chesterton “foi o primeiro dos grandes convertidos, o mais improvável e o mais influente”[7].
No Brasil, de forma específica, entre os ilustres intelectuais da chamada geração dos convertidos, influenciados por Chesterton, encontram-se, por exemplo, Alceu Amoroso Lima, Jackson de Figueiredo e Gustavo Corção[8]. Especificamente no tocante a Gustavo Corção[9], esse brilhante escritor brasileiro, se converteu ao cristianismo e só conseguiu produzir sua obra literária graças à influência recebida do convertido Chesterton.
Sobre a fé católica de Chesterton o próprio Gustavo Corção[10] afirma que ele é um verdadeiro católico, o qual professa uma fé ortodoxa que influenciou positivamente a constituição de sua obra. Já Rosa Clara Elena Nougué ressalta que Chsterton “foi o mais completo e brilhante apologista do catolicismo num século [o século XX] que elaborou sistematicamente um discurso demolidor contra a Igreja e a fé católica”[11].
Por causa do grande zelo que tinha pela doutrina da Igreja e pela fé cristã, Chesterton desenvolveu profundamente, em seu espírito e em sua obra literária, as três virtudes essenciais ao cristão, ou seja, a fé, a caridade e a esperança. No século XX, ele foi o grande modelo de intelectual que renegou as ilusões das ideologias e das filosofias idealistas e abraçou, de forma alegre, a fé cristã. Por causa disso ele conseguiu criar uma obra de raro equilíbrio entre fé, razão e sensibilidade literária. Obra que, em grande medida, é sintetizada em Ortodoxia.
Foi por causa desse raro equilíbrio, entre outros méritos, que a Santa Sé abriu o processo de beatificação de Chesterton. Não é intensão desse pequeno estudo discutir ou emitir qualquer juízo sobre o processo de beatificação de Chesterton, o qual atualmente está sob análise da Congregação para as Causas dos Santos. Essa congregação é uma prefeitura da Cúria Romana responsável, entre outras coisas, em processar o complexo trâmite que leva à canonização dos santos católicos, passando pela declaração das virtudes heroicas (reconhecimento do estatuto de venerável) e pela beatificação.
No entanto, apesar do processo de beatificação de Chesterton ser um assunto que, até o presente momento, deve ser discutido pela Congregação para as Causas dos Santos e outros órgãos da Cúria Romana é preciso ter em mente o que Paolo Gulisano, um especialista na obra chestiana e no citado processo de beatificação, afirma. Em suas palavras: “[...] a leitura de Chesterton, seja das novelas ou dos ensaios, deixa sempre no leitor uma grande serenidade e um sentimento de esperança que deriva não certamente de uma visão da vida imatura e mundanamente otimista – que é na realidade o mais distante do pensamento de Chesterton, que denuncia detalhadamente todas as aberrações da modernidade –, mas da concepção cristã, viril fortaleza da experiência religiosa. A proposta de Chesterton é a de levar a sério a realidade em sua integridade, começando pela realidade interior do homem e de dispor confiadamente o intelecto, ou seja, o sentido comum, em sua original sanidade, purificado de toda incrustação ideológica”[12]
É por causa de tudo que foi exposto que Rosa Clara Elena Nougué[13] afirma que Chesterton, no século XX, foi um ponto de contradição dentro do campo das ideias, da arte e da fé.  Justamente o século XX que foi marcado pela ilusão do homem-deus e, por conseguinte, pelo delírio, pela loucura e pelo abandono da razão.
Para Gustavo Corção[14] a obra de Chesterton é extensa e intensa. De um lado, ela é extensa porque abrange uma grande área de assuntos e, do outro lado, é intensa porque aderiu, com força e infatigável confiança, aos princípios básicos sobre os quais repousam os destinos do gênero humano.
Ainda de acordo com Gustavo Corção[15] a obra de Chesterton não é destinada a críticos literários. Pelo contrário, trata-se de uma obra destinada ao público comum. Chesterton, ao longo de sua vida, teve um inquebrantável entendimento que o homem comum é capaz de compreender e refletir sobre as grandes questões que preocupam o Ocidente. Para ele, é um erro menospreza o homem comum utilizando-se, para tanto, de expressões, como, por exemplo, ignorante e outros adjetivos semelhantes. Em sua visão, o homem comum é capaz de ter um raciocínio tão brilhante como o que é produzido pela crítica especializada. Sem contar que esse tipo de homem não está preso e até mesmo alienado pelas ideologias que dominam o cenário intelectual ocidental. Ideologias que asfixiam o pensamento e contribuem para criar o mito do homem-deus[16].   
Ao longo de sua obra literária Chesterton evitou três posições radicais que nortearam a literatura do século XX. A primeira posição é a negação da fé. Negação que é sintetizada pela proposição: a fé é um campo da vida humana destinado apenas aos(as) religiosos(as). Essa proposição é profundamente preconceituosa. E o motivo disso é que ela tenta expulsar e negar o direito que o cidadão possui de ter uma fé religiosa. A segunda é o uso da razão. Chesterton sempre fez “uso incansável da razão”[17], mas esse uso não foi absoluto, como se a razão fosse a única dimensão a ter condições de orientar o ser humano. Para ele, além da razão existe a fé. A terceira é a negação da razão. É sempre bom recordar que o século XX – e início do XXI – foi marcado pelo abandono da razão. No lugar da razão o homem ocidental colocou as teorias da desconstrução, as quais afirmam que a razão é um simples produto da cultura judaico-cristã e que o homem, para ser feliz, deve, de um lado, renegar todos os valores tradicionais do Ocidente (razão, fé cristã, família, etc) e, de outro lado, construir uma cultura pós-ocidental. Cultura que deverá ser marcada, em sua essência, pela negação de todos os valores ocidentais, inclusive do abandono radical da razão. Chesterton nunca aceitou o abandono da razão. Para ele essa postura conduz fatalmente o homem para a loucura e o delírio. E vale lembrar que Chesterton presenciou o horror e a loucura que foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Uma guerra que ocorreu, em grande medida, pelo abandono da razão e provocou catástrofes e morticínios em quase toda a Europa.     
Ao longo de sua obra, Chesterton fez o uso harmonioso da tríplice relação: fé, razão e criatividade literária. Essa tríplice relação teve como consequência a produção de uma excepcional obra literária que provocou grandes conversões ao cristianismo e uma sólida reflexão sobre os problemas enfrentados pelo homem ocidental.
Para compor sua obra Chesterton teve várias influências de cunho filosófico, literário, cultural e de outras naturezas. Não é intensão apresentar, neste pequeno estudo, todas as influências recebidas por Chesterton, mas apenas discutir, de forma introdutória, uma única e brilhante influência, ou seja, Tomás de Aquino.

2.      A influência de Tomás de Aquino na obra de Chesterton

Tomás de Aquino é um filósofo que nasceu e produziu sua obra no século XIII. Ele conseguiu uma grande façanha, ou seja, produzir uma obra filosófica perene. Isso se deve aos diversos e sempre atuais temas que foram abordados pelo Aquinate. É por causa disso que Paul Strathern afirma que “Tomás foi o único a romper com a grande tradição filosófica do fracasso”[18], ou seja, ao contrário da grande maioria dos filósofos que estão presos a uma momento histórico e a uma cultura, Tomás de Aquino conseguiu, por meio da profundida dos temas abordados (metafísica, ética, política, etc), romper com essa limitação e, com isso, produzir uma obra verdadeiramente universal.
De acordo com Rosa Clara Elena Nougué[19], Chesterton não nasceu católico e muito menos tomista. Assim como muitos jovens europeus, no século XIX Chesterton teve uma formação marcada pelo secularismo, pelo indiferentismo religioso e pela adesão, mesma que de forma indireta e sem consciência, aos modismos filosóficos, como, por exemplo, o positivismo, o niilismo e o materialismo.  
Oficialmente Chesterton se converte ao catolicismo em 1922, quando ele já tinha 48 anos e, portanto, 14 anos antes de sua morte. No entanto, desde, mais ou menos, o ano de 1905, ano da publicação de Hereges[20], ele já tinha consciência e maturidade dentro da fé católica.
No livro Por que sou católico[21], Chesterton afirma que a fé da Igreja ajudou-o a refletir e, por conseguinte, romper com a cultura secular e de indiferença diante dos grandes problemas humanos. A consequência do processo de rompimento foi à criação de uma obra literária solta, leve e carregada de uma mordaz crítica as ilusões da modernidade.
Do ponto de vista estritamente didático será apresentada a influência de Tomás de Aquino na obra de Chesterton em cinco questões.   
A primeira questão é o uso da razão. De acordo com Rosa Clara Elena Nougué[22], Chesterton evita dois extremos. De um lado, ele não utiliza a razão como se fosse o único instrumento capaz de auxiliar o homem a compreender a si mesmo e a realidade. A razão tem uma irmã, ou seja, a fé. E ambas juntas exercem a nobre tarefa de auxilio ao ser humano. Nas palavras de Chesterton: “A fé é superior à razão, mas a razão é superior a tudo o mais, e possui direitos supremos”[23].  Do outro lado, ele não cai no delírio da negação e abandono da razão. Ele não constrói uma literatura surrealista carregada de seres mitológicos e de super-homens. Pelo contrário, a literatura chestiana é acima de tudo uma literatura do bom senso e da análise da civilização. No entanto, a construção dessa literatura só foi possível porque Chesterton descobriu um princípio existente em Tomás de Aquino, ou seja, o uso equilibrado – e nunca o desprezo – da razão.
É o uso equilibrado da razão que fez Chesterton compreender que é preciso defender a supremacia da civilização e do Ser contra a barbárie e o Não-Ser. Enquanto muitos escritores e filósofos defendem a barbárie, o niilismo e o Não-Ser, Chesterton, fundamentado pelo pensamento do Aquinate, demonstrou que defender a barbárie e o Não-Ser é um absurdo. Para ele, defender essas questões é negar o princípio básico da realidade, ou seja, que existem objetos no mundo. Somente um homem – como é o caso do homem contemporâneo – perdido dentro da desrazão e de doutrinas niilistas é que pode defender tal absurdo. É por causa disso, que Gustavo Corção[24] afirma que, fundamentado pelo Aquinate, Chesterton conseguiu perceber que a vida simples está repleta de uma racionalidade que só pode ser compreendida por meio da fé. Uma racionalidade que apresenta as contradições e as consequências do orgulho humano.
A segunda questão é a influência do padre dominicano irlandês Vincent Joseph McNabb, mais conhecido como Pe. McNabb. De acordo com Paolo Gulisano[25], o Pe. McNabb foi professor e amigo pessoal de Chesterton, e um dos principais responsáveis por sua conversão ao catolicismo. Juntamente com Belloc fundou o Distributismo, que buscou realizar na Grã Bretanha os princípios da Doutrina Social da Igreja Católica. Pe. McNabb dedicou sua vida a defender o cristianismo contra todo tipo de ataque ideológico. Foi um grande pensador, dotado de vastíssima cultura teológica, professor, estudioso e escritor, ainda que boa parte dos textos que deixou sejam coletâneas de seus discursos e homilias. Ele debatia e dialogava com todo: protestantes de qualquer denominação, ateus e livres pensadores. Sua fama cresceu a tal ponto que, todos os domingos, centenas de pessoas compareciam ao parque para ouvi-lo. Foi convidado também a participar de debates em teatros, desafiado por personalidades do calibre de G. B. Shaw. Era dono de inteligência e erudição extraordinárias: lia o Antigo Testamento em hebraico, o Novo Testamento em grego e Tomás de Aquino em latim.
Sobre a intensa amizade entre Chesterton e o Pe. McNabb é preciso realizar duas observações.
Primeira, durante o século XIX, com o triunfo do positivismo, do cientificismo, e com a nova política imperial britânica, as leis que haviam mantido na clandestinidade a Igreja Católica em toda a Grã-Bretanha por 300 anos são abolidas. Inicia-se assim um novo período para a Igreja, uma segunda primavera; a Igreja Católica, saída das catacumbas, revela toda sua vitalidade e força de verdade, forjadas pelas longas e cruéis perseguições. Foi assim que, no período entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, não apenas a Inglaterra como todo o mundo puderam ser iluminados por figuras como o Cardeal Newman, Pe. Robert Hugh Benson, Dom Ronald Knox, apologistas e profetas, e por escritores geniais, que mergulhavam suas penas na tinta de uma fé intensa e apaixonada, entre os quais Chesterton. Neste contexto é que deve ser pensado a amizade entre Chesterton e o Pe. McNabb.
Segunda, o Pe. McNabb, assim como grande parte da intelectualidade católica daquele momento histórico, foi formado em um ambiente profundamente neotomista. No final do século XIX vivia-se a atmosfera de renovação e renascimento do tomismo. Finalmente os preconceitos que afirmavam que Tomás de Aquino é um pensador preso a Idade Média estavam caindo e, com isso, gradativamente estava sendo aberto o caminho para o estudo e o ensino acurados da vasta obra do Aquinate. Na segunda metade do século XIX o Pe. McNabb era um sacerdote dedicado ao processo de restauração da fé católica na Inglaterra, mas também um zeloso neotomista, o qual transmitiu seus conhecimentos sobre a obra do Aquinate a seus alunos e amigos. É possível afirmar que de todos os alunos do Pe. McNabb, Chesterton foi o mais brilhante. Por meio da literatura, ele conseguiu dá uma visibilidade a Tomás de Aquino que não havia sido pensada pelo movimento neotomista. Na década de 1930, em plena maturidade artística e intelectual, Chesterton afirmava que Tomás de Aquino é uma “mente multifacetada”[26], um “titã de vigor intelectual[27] e “um herói”[28] para todos que lutam em prol da verdade e da fé. Por causa disso o Aquinate tornou-se “um dos dois ou três maiores homens que já viveram”[29]. A consequência de todo esse movimento é que para uma época, ou seja, o século XX, que se tornou demasiadamente arrogante, só um santo-filósofo poderá devolver a essa época o sentido da humildade, da harmonia e do pensamento lógico. Esse santo-filósofo é Santo Tomás de Aquino[30].    
A terceira questão é o distributivismo. Como bem esclareceu Gustavo Corção[31], o distributivismo é a proposta da Doutrina Social da Igreja Católica. Ela consiste na defesa da pequena propriedade rural e da pequena empresa privada. No distributivismo, cada cidadão deve ter unicamente o necessário para manter, com plena dignidade, sua vida, sua família e as demais pessoas que estão sob sua responsabilidade. O distributivismo é uma doutrina política profundamente alicerçada no Evangelho e, por isso, nega três tendências autoritárias da sociedade moderna. Primeira, o excesso de Estado dentro da vida pessoal e social. No distributivismo o Estado é reduzido ao mínimo necessário à vida e a organização social. Segunda, ao capitalismo selvagem e antiético, o qual só pensa em lucros e, por conseguinte, termina conduzindo milhões de pessoas a morte e a pobreza. Terceira, ao socialismo, o qual, em grande medida, é muito pior que o capitalismo, pois transforma todas as pessoas em escravas do Estado e, no entanto, não lhes dá condições de viver dignamente. Chesterton foi um dos grandes entusiastas e difusores do distributivismo.
Conforme demonstra Ian Boyd[32], a perspectiva distributivista de Chesterton é profundamente influenciada por Tomás de Aquino. Seguindo a cultura neotomista reinante no início do século XX, Chesterton estudou a obra do Aquinate. Esse estudo vez que o escritor inglês percebesse, de um lado, que tanto a teoria política liberal como a socialista-marxista são profundamente anticristã e, por conseguinte, conduzem o ser humano a servidão, ao sofrimento e a morte. Do outro lado, Tomás fornece subsídios teóricos para desenvolver um processo de distribuição da riqueza que nem cai na usura, como o capitalismo, e nem cai no autoritarismo, como é o caso do socialismo.    
A quarta questão é o famoso personagem Padre Brown criado por Chesterton. O Pe. Brown é um detetive amador, não profissional, que desvenda vários crimes e mistérios policiais usando a lógica aristotélica-tomista.
É bom salientar que no final do século XIX, Edgar Allan Poe criou o gênero narrativa policial ao inserir a figura do detetive Auguste Dupin nos contos de mistério: Os crimes da rua Morgue, O mistério de Marie Roget e A carta roubada. O personagem Augusto Dupin era um detetive metódico, que trabalhava sozinho e que era escolhido por ser o único do enredo capaz de encontrar a identidade do criminoso. A partir desse modelo de romance policial, autores como Agatha Christie e Arthur Conan Doyle – criador do famoso personagem Sherlocks Homes – criaram romances policiais que seguiam a mesma linha por quase dois séculos[33].
O Pe. Brown é um dos mais famosos personagens criados por Chesterton. Ele entrou para o rol da galeria dos grandes personagens literários. Trata-se de um padre católico de origem inglesa, o qual, dentro do ideal do sacerdócio católico, é um “celibatário profissional”[34] que conduz suas atividades pessoais e religiosas “com muito divertimento, mas contido”[35] e que deseja, em “nome da verdade”[36], ser a “voz daqueles que não podem falar”[37] e contribuir para libertar o ser humano das “trevas mais profundas”[38].
Nos contos do Pe. Brown, Chesterton faz uso da lógica aristotélica-tomista, a qual o próprio Chesterton alega ser a lógica por excelência. Além disso, nesses contos há uma grande abertura para a dúvida e a objeção. Seguindo o método desenvolvido por Tomás de Aquino[39], Chesterton apresenta, ao longo dos contos, uma série de objeções à fé cristã, a lógica, a prudência e ao bom senso. Lentamente Chesterton, por meio do personagem Pe. Brown, vai respondendo todas as objeções e demonstrando a superioridade da fé cristã e da lógica aristotélica-tomista.   
A quinta e última questão é a biografia que Chesterton escreveu sobre Tomás de Aquino, cujo título é Santo Tomás de Aquino: biografia. Trata-se de uma das “melhores biografias”[40] e “um dos livros mais animados e populares sobre São Tomás”[41].  
No entanto, não se trata de uma biografia tradicional, formada, em sua essência, por vida e obra do pensador biografado. É claro que na biografia de Tomás de Aquino escrita por Chesterton existe uma profunda descrição da vida e da obra do Aquinate.
Acima de tudo é uma biografia no estilo de Chesterton, ou seja, carregada com uma profunda linguagem literária, cheia de ironias e de um profundo senso crítico. É uma biografia destinada aos “católicos fracos e mundanos”[42], os quais tem a tentação de aceitar as ideias e o espírito anticristão da modernidade. São pessoas batizadas e que até mesmo frequentam os sacramentos, mas que pensam que viver a experiência radical da fé – como fez Chesterton – é algo ultrapassado, coisa da Idade Média. Para essas pessoas a melhor atitude que um cristão deve ter é aceitar o secularismo e o paganismo reinante na modernidade.  São pessoas que, de forma direta ou indireta, se recusam a pregar o Evangelho e a dar testemunho público da sua fé cristã.
É por causa disso que nessa biografia Chesterton denuncia os “erros modernos”[43] e, acima de tudo, o “retorno ao paganismo”[44] promovido pela modernidade. Segundo ele[45], é por causa desse retorno que a maioria das escolas filosóficas modernas duvidam da possibilidade de pensar. E, com isso, o pensamento é reduzido ao niilismo, à negação de tudo e de toda esperança. Chesterton dá como exemplo dessa postura negativa e pessimista a obra do filósofo alemão Nietzsche. Um filósofo muito conhecido e citado nos círculos de intelectuais no Ocidente. Para Chesterton, Nietzsche é o “grande filósofo pagão”[46] da era moderna, o qual ensinou ao homem moderno a não crer em Deus e a importância do pessimismo e do fracasso. Por causa desse tipo de educação o homem moderno é um ser descrente, pessimista que vive uma vida alienada e, muitas vezes, sem sentido.  
Para Chesterton, Nietzsche não é a exceção, mas a grande regra do mundo moderno. Um mundo marcado pela negação da fé, da esperança, da razão e da lucidez. Para ele[47], só é possível corrigir esse erro por meio de uma conversão profunda, ou seja, o retorno à lucidez da razão. E essa lucidez é expressa de forma magistral por Tomás de Aquino. Em um mundo marcado pela falta de fé e de razão, Tomás de Aquino é um remédio. Simultaneamente, Tomás de Aquino é o santo e o filósofo que a era moderna precisa para sair do obscurantismo, do secularismo, do abandono da razão e do neopaganismo.
É por causa disso que Chesterton recomenda o estudo da obra do Aquinate e afirma que o tomismo é a “única filosofia construtiva”[48]. Isso acontece porque o tomismo é uma “filosofia da esperança”[49] e uma “filosofia do bom senso”[50]. Esperança e bom senso são as duas coisas que o homem moderno tanto necessita para sair da era do pessimismo e do niilismo. Essas duas coisas são encontradas em Tomás de Aquino.
Por fim, afirma-se que as poucas linhas desse estudo não esgotaram a questão da influência de Tomás de Aquino na obra de G. K. Chesterton. No entanto, por meio delas é possível perceber que o Aquinate exerceu grande papel na construção da bela e elogiável obra literária de Chesterton.          

[1] PATRICK, J. A. A razão em G. K. Chesterton e C. S. Lewis. In: Communio, Vol. XXVI, N. 2, mai/ago 2007, p. 364-365.
[2] GOUVÊA, R. Q. Novos tempos, velhas crenças: crítica do neopaganismo sob uma ótica cristã. In: Fides Reformata, 3/1, 1998, p. 45.
[3] CHESTERTON, G. K. O homem que foi quinta-feira. Rio de Janeiro: Agir, 1957.
[4] CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
[5] Sobre a conversão de Chesterton ao catolicismo recomenda-se consultar: LA GORCE, A. de. Do pessimismo ao otimismo: G. K. Ghesterton. In. LELLOTTE, F. Convertidos do Século XX. Rio de Janeiro: Agir, 1960, p. 139-152. O artigo de Agnes de La Gorce apresenta, de forma detalhada, o processo de conversão de Chesterton a fé católica.
[6] ROSA, L. R. Doutrina social da Igreja Católica e a pequena propriedade. In: Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá (PR) v. 1, n. 3, 2009, p. 2.
[7] PATRICK, J A. A razão em G. K. Chesterton e C. S. Lewis, op. cit, p. 363.
[8] VILLAÇA, A. C. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1975, p. 144.
[9] SANTOS, I. O tomismo de Gustavo Corção. In: Aquinate, n. 11, 2010, p. 98.
[10] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca. 6 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1961, p. 17.
[11] NOUGUÉ, R. C. E. Chesterton: uma missão única. In: Tradição Católica, abril 2002, n. 175, p. 13.
[12] GULISANO, P.  G. K. Chesterton, beato? Entrevista concedida à Antonio Gaspari. In: Zenit. Disponível em http://www.zenit.org/article-22163?l=portuguese. Acessado em 01/12/2009.
[13] NOUGUÉ, R. C. E. Chesterton: um apóstolo do século XX. In: Boletim da Santa Cruz, Suplemento, n. 38, abril de 2008, p. 1.
[14] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca, op. cit., p. 12-13.
[15] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca, op. cit., p. 25.
[16] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca, op. cit., p. 32.
[17] PATRICK, J. A. A razão em G. K. Chesterton e C. S. Lewis, op. cit., p. 366.
[18] STRATHERN, P. São Tomás de Aquino. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 7. 
[19] NOUGUÉ, R. C. E. Chesterton: um apóstolo do século XX. In: Boletim da Santa Cruz, Suplemento, n. 38, abril de 2008, p. 3-4. 
[20] CHESTERTON, G. K. Hereges. Lisboa: Cidade de Deus, 1964.
[21] CHESTERTON, G. K. Por que sou católico. Madri: El Buey Mudo, 2009, p. 32.
[22] NOUGUÉ, R. C. E. Chesterton: uma missão única. In: Tradição Católica, abril 2002, n. 175, p. 19.
[23] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino. In: Filosófica, Edição Especial Tomás de Aquino, Lisboa, n. 24, 2003, p. 328.  Essa é a versão em português de Portugal do artigo Santo Tomás de Artigo que Chesterton publicou, em 27/02/1932, na revista The Spectator.
[24] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca, op. cit., p. 12.
[25] GULISANO, P. Babylondon. Pe. McNabb, professor de Chesterton, no caos da Babylon-London. Roma: Edizioni Studio Domenicano, 2010.
[26] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino, op. cit., p. 327. 
[27] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino, op. cit., p. 329. 
[28] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia. Rio de Janeiro: Co-Redentora, 2002, p. 25.
[29] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino, op. cit., p. 330. 
[30] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 31-32. 
[31] CORÇÃO, G. Três alqueires e uma vaca, op. cit., p. 249-251.
[32] BOYD, I. Santo Tomás de Aquino, G. K. Chesterton e o pensamento social distributista. Conferência proferida no Instituto Filosófico e Teológico do Seminário São José de Niterói em 05/11/2010. Niterói: Instituto Filosófico e Teológico do Seminário São José, 2010.  
[33] MASSI, F. O detetive do romance policial contemporâneo. In: R e v i s t a     P r o l í n g u a, Vol. 2, n. 1, Jan./Jun de 2009, p. 81.
[34] CHESTERTON, G. K. A sabedoria do Padre Brown. Contos reunidos do Padre Brown. Rio de Janeiro: Record, 1989, p. 64.
[35] CHESTERTON, G. K. A sabedoria do Padre Brown. Contos reunidos do Padre Brown, op. cit., p. 65.
[36] CHESTERTON, G. K. A sabedoria do Padre Brown. Contos reunidos do Padre Brown, op. cit., p. 75.
[37] CHESTERTON, G. K. A sabedoria do Padre Brown. Contos reunidos do Padre Brown, op. cit., p. 47.
[38] CHESTERTON, G. K. A sabedoria do Padre Brown. Contos reunidos do Padre Brown, op. cit., p. 38.
[39] SANTOS, I. O método de pesquisa em Tomás de Aquino. In: Aquiante, Niterói, n. 7, 2008, p. 145-152.
[40] NOUGUÉ, R. C. E. Chesterton: um apóstolo do século XX, op. cit., p. 2. 
[41] KENNY, A. Tomás de Aquino. Lisboa: Dom Quixote, 1981, p. 143.
[42] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 17. 
[43] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 73.                                 
[44] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 74.                                 
[45] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 156.
[46] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 102.
[47] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 31-32.
[48] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 155.
[49] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 158.
[50] CHESTERTON, G. K. Santo Tomás de Aquino: biografia, op. cit., p. 123. 

*SANTOS, Ivanaldo. A influência de Tomás de Aquino na obra de G. K. Chesterton. In: The Chesterton Review, v. 2, n. 1, 2010, p. 65-76. ISSN On-line: 2162-8556.

**Ivanaldo Santos é doutor em estudos da linguagem pela UFRN, professor do departamento de filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERN. E-mail: ivanaldosantos@yahoo.com.br.

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