Por Paolo Pegoraro
Entrevista com Ian Boyd, fundador e diretor da “Chesterton Review”
Extraído do L'Osservatore Romano, do dia 14 de junho de 2008.
Traduzido por Paulo R. A. Pacheco
“The Resurrection of Rome” (A Ressurreição de Roma, sem tradução para o português; ndt) pertence ao conjunto de obras da produção de Gilbert Keith Chesterton menos conhecida. Esta obra, de fato, foi descoberta recentemente, e quase pode ser descrita como um relato de viagem do escritor inglês à capital italiana. Parafraseando o título, podemos dizer que neste sábado, em Roma, será a “ressurreição de Chesterton”. O mérito deste evento sem precedentes, certamente, está no fato de ser atribuído à “La Civiltà Cattolica”, a revista dos jesuítas, que vai sediar um congresso internacional sobre o criador de Padre Brown, e trata-se do primeiro congresso deste nível na Itália, totalmente dedicado ao conhecido narrador.
Um dos convidados de honra será Padre Ian Boyd, sacerdote da Congregação de São Basílio, especialista em Chesterton, fundador e diretor da “Chesterton Review”, além de Presidente do Chesterton Institute for Faith & Culture, da Universidade de Seton Hall, em Nova Jersey que, juntamente com a “La Civiltà Cattolica”, e a Associação Cultural BombaCarta, organizou o evento. Nós o encontramos quando desembarcou em Roma e, antes mesmo de começarmos a entrevista, nos declarou como estava impressionado com o fato de ter se dado conta de como, na Itália, Chesterton ainda ser pouco conhecido.
“Parece-me que as notícias acerca do esquecimento de Chesterton sejam exageradas. Nos EUA existe, recentemente, um grande renascimento de Chesterton: muitos de seus livros foram reeditados e os congressos sobre ele e sua obra atraem centenas de pessoas todos os anos. Há poucos anos, o presidente Bush, na sua visita à China, citou uma famosa definição dos EUA feita por Chesterton: ‘Uma nação com a alma de uma Igreja’. Mas eu diria que também na Europa acontece o mesmo fenômeno: o nosso instituto sediou conferências em toda a Europa – em lugares diferentes com a Irlanda, a Inglaterra, a Lituânia e a Croácia – que tiveram um enorme sucesso. Além do mais, é preciso dizer que a Europa enfrenta, hoje em dia, graves desafios éticos e culturais e faria muito bem olhar para Chesterton como para um guia nestas dificuldades. Eu diria ainda mais: um bom indicador da força de uma cultura se encontra na medida da sua capacidade de responder a uma provocação sábia e imaginativa como aquela que Chesterton nos fez”.
Ele foi um profeta pela simples razão de termos visto se verificado tudo aquilo que ele escreveu. Aquelas coisa que, para seus contemporâneos, pareciam fantasias, nos parecem, hoje, a descrição do mundo atual. Por exemplo, no seu jornal, o G.K.’s Weekly, no dia 19 de junho de 1926, ele escreveu que “a próxima grande heresia será um ataque à moral, particularmente à moral sexual (...). A loucura de amanhã não será em Moscou, mas em Manhattan”. Em 1905, no Daily News, ele escreveu: “Antes que ideia liberal morra ou triunfe, veremos guerras e perseguições tais que o mundo nunca viu”. Como escreveu Alan Lawson Maycock na antologia organizada por ele dos escritos de Chesterton (intitulada The Man Who Was Orthodox – O homem que foi ortodoxo, sem tradução para o português; ndt), ele tinha “aquele raro poder de intuição que, na literatura, é chamado o dom da sabedoria”.
O que há de vivo, hoje, nas obras e na mensagem de GKC?
A obra de Chesterton é algo de compacto e é, portanto, muito difícil separar os seus vários componentes. Em geral, ele nos presenteou com uma visão “sacramental” do mundo, uma ideia do divino que é mediada pelas coisas materiais. Neste sentido, ele tem muitas coisas importantes para dizer para a economia, para a família; realidades que ele entendeu como essenciais para o crescimento do homem e da sociedade. Ele era a favor da pequena empresa, dos intermediários, da distribuição da riqueza, e nutria uma espécie de afeto intenso pelas realidades locais, sentindo a importância da ligação com o próprio lugar de origem. Chesterton lutou com paixão a favor da casa e da família. Mas estas são apenas duas das tantas cosias que ele tinha para dizer.
Qual foi a relação de Chesterton com a razão? A razão é algo para ser defendido e reavaliado ou é uma armadilha sufocante para o homem?
A melhor resposta para resta pergunta, acredito, pode ser encontrada no primeiro episódio dos contos de Padre Brown, A cruz azul. Neste conto, Padre Brown consegue identificar o conhecido ladrão francês, Flambeau, fantasiado de padre, depois que este último ataca o uso da razão e esta é, diz Padre Brown, uma péssima teologia. Por outro lado, Chesterton insistiu muito acerca dos limites não tanto da razão, mas do racionalismo. O primeiro valor da lógica, ele disse uma vez, é o fato de ser uma arma com a qual podemos vencer os lógicos. O ponto que realmente interessava a Chesterton é que, segundo ele, o homem deveria combinar razão e imaginação. O pensador construtivo é como Neemias que defende os muros de Jerusalém com uma espátula numa mãe e a espada na outra (Nm 4, 1-12): a espátula representa a imaginação, o poder construtivo; a espada é a razão, o instrumento defensivo. Tudo é bem resumido no conselho que ele deu ao jovem rapazinho a quem presenteou com um livro ilustrado: “Lembra-te assim do teu livro, meu pequeno homem, / e escuta as divagações e as críticas dos pedantes. / Mas, não creias em nada que não possa ser contado com imagens coloridas”.
Ainda sobre o seu relacionamento com a razão, considerando que os últimos dois Papas apreciaram muito os escritos de Chesterton, é possível dizer que ele tenha sido um escritor “ratzingeriano”, devido à sua defesa da razão, mas também um tomista como João Paulo II?
Pergunta muito interessante. Mas, eu sugeriria distinguir bem o tomismo e o agostinianismo de Chesterton. De um lado, ele foi profundamente tomista, e deste ponto de vista, mais próximo de João Paulo II. No seu grande livro sobre Santo Tomás, que Etienne Gilson considerou como sendo o mais belo já escrito sobre o santo, ele fala da “paixão pela vida” de Tomás e insiste, contrapondo Tomás e Platão, que quando as coisas materiais nos enganam isto acontece não porque sejam transitórias, mas porque elas são, ao mesmo tempo, muito reais. Ele é também profundamente agostiniano na sua convicção de que a verdade pode ser apreendida apenas através das parábolas e que todos os eventos devem ser lidos como partes de um texto sagrado. Nesta convicção, a vida humana é uma história terrestre com um significado celeste, uma re-proclamação da história do evangelho. E eu gosto de pensar também que João Paulo I foi um Papa “chestertoniano”: a sua deliciosa carta aos escritores ingleses, que pode ser encontrada no volume “Illustrissimi” (Ilustríssimos, sem tradução para o português; ndt), com a sua aguda leitura de um texto tão obscuro como o é A esfera e a cruz, mostra um amor por Chesterton que é profundo e comovente.
Chesterton não teve filhos naturais. Podemos dizer que há escritores que foram seus filhos espirituais?
Certamente Clive S. Lewis, que atribui a Chesterton a sua conversão ao cristianismo. Também John R. R. Tolkien e Graham Greene admiraram profundamente Chesterton, assim como fez o poeta e escritor argentino Jorge Luis Borges. Conta-se também que Franz Kafka, quando leu O homem que foi Quinta-Feira, sem saber nada sobre o seu autor, chegou a dizer que poderia acreditar que o autor tivesse encontrado Deus.
Quais são os pais espirituais de Chesterton?
Talvez a maior influência sobre Chesterton tenha sido a do pouco conhecido George MacDonald, amigo de Lewis Carrol e autor de algumas belíssimas histórias fantásticas para crianças. De MacDonald Chesterton aprendeu muito do seu conceito de “imaginação sacramental”. Além do mais, há John Henry Newman: Chesterton mesmo foi que disse que leu todas as obras de Newman, e podemos acreditar nisso tranquilamente. Eu diria também que Robert L. Stevenson foi muito importante para Chesterton, assim como, obviamente, foi também Charles Dickens – com o seu amor por aquilo que pode ser definido como o extraordinário poder das pessoas ordinárias – e Robert Browning, para quem ele dedicou a sua primeira e melhor biografia. Enfim, Chesterton mesmo sempre reconheceu em si a grande influência daquela filosofia derivada da leitura das fábulas, que poderíamos definir como sabedoria da humanidade.
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