Por Taiguara Fernandes
Publicado no site Apostolado Fortes in Fide
Publicação autorizada pelo autor
G.K. Chesterton foi, sem dúvida, um dos pensadores mais iluminados – no sentido menos relativista do termo – destes nossos tempos. No início do século XX, conseguiu prever com uma exatidão cirúrgica, pela observação dos “sinais dos tempos” (cf. Mateus XVI,4), os problemas mais escabrosos da grande crise do mundo moderno.
Chamou-nos a atenção, durante a leitura de sua grande obra “Ortodoxia” (São Paulo: Mundo Cristão, 2008) a previsão que fez Chesterton desta nossa Idade dos Chavões, da Prolixidade, da “não-razão” como a definiu Francis Schaffer – aliás, influenciado por Chesterton.
Mas antes observemos algumas ligeiras excentricidades do pensamento moderno. Vejamos a questão da liberdade. O que é ser livre? O que é liberdade? Basta pensar um pouco para concluir que ninguém, em nome da liberdade, pode fazer o mal ao outro; não é preciso muitas reflexões filosóficas para isso: o homem é livre, mas não pode usar sua liberdade como pretexto para atos pérfidos de maldade. Liberdade – todos podem concluí-lo facilmente – exige um motor moral, exige retidão e responsabilidade. Caso contrário um homem teria liberdade plena, mas só depois de matar todos os outros livremente! Mas o que diz o homem moderno? Que liberdade é fazer tudo o que quiser, na hora que quiser, da maneira que bem entender, sem se preocupar com ninguém. Ora, isto não é liberdade, mas um ímpeto egoísta e irresponsável, que leva a horríveis conseqüências, as quais todos estamos acostumados a ver. Mas esta noção errônea de liberdade tornou-se um chavão, todos a repetem sem raciocinar sobre ela e vivem como se ela fosse verdade.
Outro exemplo: a questão da verdade. Há uma cultura relativista na modernidade; é como se tudo fosse relativo, como se tudo dependesse do referencial ou do ponto de vista. O relativista proclama a altos brados: “Toda verdade é relativa!”, ao que podemos indagar: E essa é? Porque ao dizer que “toda verdade é relativa” o relativista está, com esta afirmação, fundamentando uma verdade absoluta que embasa seu julgamento. Logo, o relativismo, que prega que “toda verdade é relativa”, funda-se sobre uma contradição: funda-se sobre uma verdade que eles – os próprios relativistas – não querem que seja relativa: a de que “toda verdade é relativa”. Ora, o que se funda sobre uma contradição não pode ser verdadeiro: é ilógico que uma coisa possa fundamentar-se no contrário dela mesma, a não ser que esta coisa seja falsa. Mas dizer que “toda verdade é relativa” ou que “não há verdade” – o que também é estranho, porque esta afirmação já está se erigindo como verdade – virou chavão na modernidade: todos repetem sem pensar, e falam com pompa de intelectuais, como se isto fosse o topo do pensamento mais elevado e digno, quando é uma imbecilidade sem tamanho.
E o império dos chavões estende-se indefinidamente: o homem moderno repete que “o socialismo só busca a justiça social, a paz e a igualdade” e não se nota que foi justamente nos países socialistas que mais injustiças ocorreram, mais genocídios consumaram-se, mas miséria existiu; o homem moderno repete que “o ser humano evoluiu do macaco e nós somos apenas macacos sem pêlos” mas ninguém consegue explicar porque o macaco não consegue escrever com suas mãos; o homem moderno diz que “a Igreja é inimiga da liberdade” e foi justamente a Igreja quem primeiro lutou pela liberdade religiosa e dos escravos; e poderíamos citar exemplos ad infinitum. Chavões temos muitos neste mundo, nesta “Idade dos Chavões”; o pior de tudo é que muitos de nós continuamos a repeti-los.
E Chesterton previu esta “Idade dos Chavões” com uma precisão visionária. Em 1908, já notava em Ortodoxia que os homens modernos têm uma doença de preguiça: “Existe o costume de nos queixarmos da correria e do árduo trabalho da nossa época. Mas na verdade a marca principal de nossa época é uma profunda preguiça e fadiga. O fato é que a verdadeira preguiça é a causa da aparente correria. Tomemos um caso externo: as ruas barulhentas, cheias de táxis e carros. Mas isso não se deve à atividade humana, mas sim ao repouso. Haveria menos correria se houvesse maior atividade, se as pessoas simplesmente andassem a pé. O mundo seria mais silencioso se houvesse mais trabalho” (p.205).
A preguiça, em Chesterton, é a verdadeira causa desta “aparente correria”, desta aparenet barulheira de que todos se queixam. O escritor cita o exemplo dos táxis e carros: há barulho justamente porque andamos de táxis para evitar a fadiga de andar a pé. Obviamente o exemplo é meramente ilustrativo e não quer ser uma condenação dos automóveis – apesar de Chesterton andar, realmente, mais à pé numa tentativa de diminuir seus 104 quilos. Mas tomemos o exemplo de Chesterton e apliquemos-lhe à intelectualidade: há uma barulho de pensamento no mundo; por todo lado somos atacados por ideologias, chavões, estereótipos, que nos amarram o pensamento, nos dão idéias prontas – muitas vezes forjadas por espertos ideólogos – sobre as quais nunca paramos para raciocinar. Este barulho de pensamento seria evitado se as pessoas simplesmente pensassem, lessem, usassem sua razão – este dom que o homo modernus esqueceu, apesar de definir-se como racionalista - e não apenas engolissem e vomitassem estereótipos rebocados pelo Governo ou por um qualquer filósofo de botequim. “O mundo seria mais silencioso se houvesse mais trabalho”, diz Chesterton; parafraseando, poderíamos dizer: as nossas mentes seriam menos barulhentas e burras se tivéssemos mais trabalho intelectual.
Chesterton percebeu que a barulheira do mundo é só um reflexo da barulheira intelectual; os chavões e os ideólogos que gritam em nossos ouvidos são aqueles que nos impedem de pensarmos, que imbecilizam o homem para melhor controlá-lo. Chesterton mesmo afirma-o: “E isso que se aplica à aparente correria física também se aplica aparente correria intelectual. A maior parte do mecanismo da linguagem moderna visa a poupar trabalho; e poupa muito mais trabalho mental do que deveria. Frases científicas são usadas como rodas e pistões científicos para tornar ainda mais rápido e suave o caminho do conforto. Palavras compridas passam por nós chacoalhando como longos trens ferroviários. Sabemos que carregam milhares de pessoas que se sentem demasiado cansadas ou indolentes para caminhar e pensar por conta própria” (p. 205).
E, sem dúvida, como mostramos no começo, o uso moderno de chavões poupa qualquer um de pensar. Hoje em dia, qualquer um pode encerra um debate simplesmente dizendo que a opinião contrária é um “preconceito” – apesar de, muitas vezes, ser uma opinião muito bem embasada que nada possui de preconceituosa no sentido correto da palavra: algo que se diz sem pensar, um pré-conceito. O uso do chavão, do preconceito é indiscriminado nos tempos modernos. Denunciamos-lhe certa vez em nosso artigo “O uso da palavra preconceito é preconceituoso!”[1].
O uso irrestrito de chavões – às vezes até com uma pompa de intelectualidade – poupa, como diz Chesterton, qualquer correria intelectual, qualquer trabalho mental. Uma das maiores doenças modernas é a doença do pensamento; o homem pós-iluminista, o homem moderno, racionalista, é justamente o que menos pensa, o que mais repete chavões e estereótipos automaticamente.
O homem racionalista moderno é o que menos raciocina, é o menos racional – pois há uma diferença entre racionalista e racional. O homem racionalista moderno quer entender tudo e aquilo que não cabe na sua cabeça – os símbolos, os milagres, o latim na Missa, etc. – ele simplesmente exclui porque não é capaz de compreender; mas aquilo que ele pode entender, aquilo que ele deve entender, aquilo para o que ele pode utilizar o dom maravilhoso de sua razão, isto ele não quer entender, sobre isto ele não pensa! Prefere admitir e repetir uma séria de chavões prontos da cultura moderna, do marxismo cultural, do relativismo filosófico, teológico e religioso... Assim, o expediente do homem racionalista moderno é esse: aquilo que ele não pode entender - porque é superior a nós e nossa razão é limitada – ele exclui, despreza; e aquilo que pode entender, ele não pensa. No final, não se pensa sobre nada. O homem racionalista moderno – aquele mesmo que adorou a Deusa da Razão em Notre-Dame durante a Revolução Francesa – é o homem que menos usa sua razão. Interessante incoerência...
Vale notar que, dando novas mostras de sua inteligência profundamente visionária, Chesterton previu o que só quarenta anos depois George Orwell – outro britânico – escreveria em sua distopia “1984”: Chesterton previu a Novilíngua de Orwell. Em “1984”, Orwell imagina uma situação é que o Estado totalitário controlaria de tal maneira as pessoas que até as impediria de pensar; o meio de fazê-lo seria uma língua imposta ao povo com palavras de significados prontos e acabados, dados pelo Governo: era a Novilíngua. Com a Novilíngua, o Governo impediria os homens de falarem ou mesmo de pensarem contra o Governo, porque cada palavra, cada expressão, cada frase já tinha seu significado milimetricamente definido pelo Partido. Era uma língua para matar o pensamento. E Chesterton, quarenta anos antes de Orwell – este escreveu sua obra em 1948 -, já previra: “A maior parte do mecanismo da linguagem moderna visa a poupar trabalho; e poupa muito mais trabalho mental do que deveria”. Para Chesterton, supracitado, “palavras compridas carregam milhares de pessoas demasiado cansadas ou indolentes para caminhar e pensar por conta própria”. Exatamente o cenário que traçou Orwell em “1984” com a sua Novilíngua. E exatamente o cenário que vivemos hoje, com o pensamento cerceado por espertos teóricos modernistas e as palavras tendo seu significado ideologicamente mudado dia após dia; “preconceito” é só uma destas palavras; outra delas é “discriminação”, por exemplo. Palavras-chavões, palavras da Novilíngua.
“[E]ssas longas e confortáveis palavras que poupam aos modernos o trabalho do raciocínio têm um aspecto particular em que elas são especialmente desastrosas e confundem”, adverte Chesterton.
Obviamente, Chesterton são é nenhum paladino da liberdade irresponsável de pensamento, liberdade que rejeita a Verdade, até porque nenhuma liberdade pode estar fundada sobre a irresponsabilidade. Aliás, ele mesmo dizia que a ortodoxia, o crer corretamente na Verdade – pois existem, sim, verdades absolutas –, é a única maneira de sermos realmente livres: “[A] ortodoxia não é apenas (como muitas vezes se ressalta) a única salvaguarda segura da moralidade ou da ordem, mas é também o único guardião lógico da liberdade, da inovação e do avanço” (p.231). Isto porque a ortodoxia mantém os homens seguros, evita que eles, a pretexto de uma pretensa liberdade, caiam e se afundem no erro, rejeitando aquilo que há de absoluto porque instituído como tal pelo próprio Deus. Chesterton utilizava uma imagem interessante para isso: a dos muros. Dizia ele: “A doutrina e a disciplina dos católicos podem ser muros; mas são os muros de um pátio de recreio” (p.238). Isto é, a ortodoxia não cerceia o pensamento, a Verdade não destrói o raciocínio; pelo contrário: ela o faz crescer sadia e vigorosamente, pois a razão só pode se desenvolver na Verdade e longe do erro. A ortodoxia é um muro, sim, mas é um muro que evita de cair no precipício e nos mantém dentro de um pátio de recreio, onde podemos correr livre e alegremente: “Poderíamos imaginar crianças brincando na planície de um topo relvoso de alguma ilha elevada no meio do mar. Contanto que houvesse um muro em volta da beira do precipício, elas poderiam entregar-se ao jogo frenético e transformar o lugar na mais barulhenta creche. Mas o muros foram derrubados, deixando desguarnecido o perigo do precipício” (p.238), dirá o pensador. Uma pretensa liberdade de pensamento irresponsável, que rejeite a Verdade e a ortodoxia é isso: derrubar os muros que nos protegem do perigo do precipício. A sociedade da liberdade do pensamento é a sociedade dos totalitarismos, dos genocídios, das duas guerras mundiais, da imoralidade sem fronteiras. A sociedade da liberdade [irresponsável] do pensamento é uma sociedade que, por esquecer que liberdade e real pensamento só pode existir sobre a Verdade, caiu nas piores barbáries e até na preguiça d pensar. A sociedade da liberdade [irresponsável] do pensamento é a mesma das amarras do pensamento, da fadiga intelectual, dos chavões, das ideologias, da Novilíngua, da irracionalidade. Porque foram derrubados os muros da ortodoxia, que nos protegiam no pátio de recreio do verdadeiro pensamento; e, derrubados os muros da ortodoxia e da Verdade, muitos caíram no precipício e todos estamos assustados com o abismo.
Chesterton não deseja, obviamente, uma tal liberdade irresponsável de pensamento, que nem liberdade é. Ele se volta justamente contra esta falsa liberdade de pensamento. Porque foi ela que gerou a Idade dos Chavões, dos estereótipos, esta “era da não-razão”.
A mensagem de Chesterton para este nosso tempo da não-razão é essa: pensemos, pensemos; rejeitemos os chavões e os estereótipos ideologizados; pensemos. Mas pensemos fundamentados na Verdade, reconstruamos os muros da ortodoxia que nos protegiam do abismo. Pois a razão e a liberdade só podem existir sobre a Verdade. Foi isto que o liberalista e o racionalista do Iluminismo moderno não entendeu; e aí chegamos aonde chegamos.
Chesterton quer que o homem novamente use sua razão, dom de Deus; mas da maneira correta: sobre a Verdade, que também é um dom de Deus – o mais precioso.
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