Por Giuseppe Bonvegna
*Extraído do IlSussidiario.net, do dia 23 de março de 2012.
Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
Também para o As aventuras do S.r Pickwick (1837), o primeiro romance de Charles Dickens (1812-1870), que comemora, este ano, o ducentésimo aniversário de nascimento, vale a recomendação segundo a qual é sempre melhor ler o prefácio apenas depois de ter lido o romance, para não se perder a beleza da descoberta da trama.
No caso de As aventuras do S.r Pickwick, é preciso porém acrescentar que, mesmo depois de ter lido as mais de mil páginas das quais é composto, se descobre que uma trama verdadeira não fica evidente e que o prefácio poderia, pelo contrário, ser útil apenas para o fim ao qual comumente não é destinado (o de descobrir se, de verdade, há uma trama); tanto mais que (pelo menos na edição italiana da Oscar Mondadori) o prefácio é assinado por uma pessoa que, a respeito de tramas, seguramente era um grande conhecedor: Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), o grande romancista, ensaísta e escritor de policiais, que se converteu ao catolicismo em 1922, e de quem, em 2011, foi publicada, pela Editora Marietti, a primeira edição em italiano da obra Appreciations and Criticism of the Works of Charles Dickens, uma coletânea de seus escritos sobre Dickens publicada por ele em 1911 (Una gioia antica e nuova: scritti su Charles Dickens e la letteratura. Organizado por Edoardo Rialti).
Para compreender porque esta publicação constitui uma contribuição importante para a compreensão não apenas de Dickens e de Chesterton, mas também da literatura inglesa vitoriana e do século XX, é preciso retomar nas mãos a obra Svelare il mistero (Revelar o mistério, sem tradução para o português, publicado em 2000, pela editora Gribaudi de Milão), uma coletânea de escritos de Chesterton sobre os romances policiais. Nesta obra, Chesterton vê em Dickens o precursor (junto com Edgar Alan Poe e Robert Louis Stevenson) do gênero policial criado no final do século XIX por Arthur Conan Doyle (1859-1930) com Sherlock Holmes.
Se de fato, como é explicado na nova coletânea chestertoniana sobre Dickens, Chesterton gostava da obra literária de Dickens desde criança, então não é difícil captar todo o alcance da sua afirmação contida num artigo de 1901, referido na antiga coletânea da Gribaudi: Chesterton sustentava que, comparado a Conan Doyle, somente os personagens de Dickens (particularmente os personagens de As aventuras do S.r Pickwick) tinham a capacidade, como Sherlock Holmes, de “romper o casca do livro da mesma maneira que o pintinho quebra a casca do ovo”.
Dickens, portanto, pode ser entendido como precursor do romance policial, visto ter sido um dos primeiros a introduzir, no romance, o expediente da reviravolta na trama através da revelação gradual da história de maneira a deixar (no início) o protagonista de lado e fazê-lo ir entrando de maneira inesperada apenas depois que os elementos do entorno da trama forem expostos.
Todo este procedimento, que torna o romance vitoriano de Dickens (ou “à Dickens”) seguramente diferente (e mais convincente) se comparado com outros contemporâneos seus italianos e franceses; significa, porém, tornar a história também mais aderente à vida e levar-nos, portanto, a falar da fé como método de conhecimento, mesmo se isto (pelo menos a primeira vista) pudesse parecer estranho.
O que, de fato, salta aos olhos, lendo exatamente As aventuras do S.r Pickwick, não é a descrição dos problemas sociais e muito menos uma visão religiosa, mas o fato de que o prazer de seguir o desenvolvimento dos acontecimentos narrados não apenas não é diminuído, mas cresce exatamente por nunca saber exatamente, no decorrer do romance, qual é o motivo pelo qual os componentes do “clube”, do seu fundador – Samuel Pickwick – aos “membros correspondentes” – Augustus Snodgrass, Tracy Tupman, Nathaniel Winkle –, andem por Londres e pelo sul da Inglaterra em busca de aventuras com as quais, depois, invariavelmente acabam topando, saindo delas sempre (sobretudo o S.r Pickwick) transformados.
Há então uma pergunta que somente esta cômica falta de explicações consegue manter aberta até a última página daquele que Chesterton dizia ser não um romance, mas um relato mitológico, e para a qual nem mesmo Chesterton foi capaz de fornecer uma resposta “barata”, limitando-se a sustentar que o mistério que envolvia as motivações do S.r Pickwick era uma alternativa ao ceticismo: “Com acompanhamento de tochas e trombetas, como um convidado de honra, o principiante é pego por uma armadilha da vida. O cético, pelo contrário, fica preso do lado de fora”.
Primado do fato sobre a ideia, da realidade sobre a utopia, do reconhecimento do limite humano como criatura sobre o perfeccionismo, de uma confiança última na realidade sobre a pretensão de enjaulá-la nos esquemas de um conhecimento calculado e não vital: trata-se de um modelo de razão que, no âmbito da filosofia inglesa, havia dado vida à reação contra o ceticismo empirista da segunda metade do século XVIII por Thomas Reid (1710-1796), através da filosofia do common sense, e que, nos mesmos anos de Dickens, animava a doutrina do conhecimento do Beato John Henry Newman (1801-1890), um dos mestres inspiradores de Chesterton.
Dickens, portanto, pode ser entendido como precursor do romance policial, visto ter sido um dos primeiros a introduzir, no romance, o expediente da reviravolta na trama através da revelação gradual da história de maneira a deixar (no início) o protagonista de lado e fazê-lo ir entrando de maneira inesperada apenas depois que os elementos do entorno da trama forem expostos.
Todo este procedimento, que torna o romance vitoriano de Dickens (ou “à Dickens”) seguramente diferente (e mais convincente) se comparado com outros contemporâneos seus italianos e franceses; significa, porém, tornar a história também mais aderente à vida e levar-nos, portanto, a falar da fé como método de conhecimento, mesmo se isto (pelo menos a primeira vista) pudesse parecer estranho.
O que, de fato, salta aos olhos, lendo exatamente As aventuras do S.r Pickwick, não é a descrição dos problemas sociais e muito menos uma visão religiosa, mas o fato de que o prazer de seguir o desenvolvimento dos acontecimentos narrados não apenas não é diminuído, mas cresce exatamente por nunca saber exatamente, no decorrer do romance, qual é o motivo pelo qual os componentes do “clube”, do seu fundador – Samuel Pickwick – aos “membros correspondentes” – Augustus Snodgrass, Tracy Tupman, Nathaniel Winkle –, andem por Londres e pelo sul da Inglaterra em busca de aventuras com as quais, depois, invariavelmente acabam topando, saindo delas sempre (sobretudo o S.r Pickwick) transformados.
Há então uma pergunta que somente esta cômica falta de explicações consegue manter aberta até a última página daquele que Chesterton dizia ser não um romance, mas um relato mitológico, e para a qual nem mesmo Chesterton foi capaz de fornecer uma resposta “barata”, limitando-se a sustentar que o mistério que envolvia as motivações do S.r Pickwick era uma alternativa ao ceticismo: “Com acompanhamento de tochas e trombetas, como um convidado de honra, o principiante é pego por uma armadilha da vida. O cético, pelo contrário, fica preso do lado de fora”.
Primado do fato sobre a ideia, da realidade sobre a utopia, do reconhecimento do limite humano como criatura sobre o perfeccionismo, de uma confiança última na realidade sobre a pretensão de enjaulá-la nos esquemas de um conhecimento calculado e não vital: trata-se de um modelo de razão que, no âmbito da filosofia inglesa, havia dado vida à reação contra o ceticismo empirista da segunda metade do século XVIII por Thomas Reid (1710-1796), através da filosofia do common sense, e que, nos mesmos anos de Dickens, animava a doutrina do conhecimento do Beato John Henry Newman (1801-1890), um dos mestres inspiradores de Chesterton.
As aventuras do S.r Pickwick, então, não é (ou, pelo menos, não é apenas) um relato cômico e, neste ponto, é possível também dizer que muito menos as sagas policiais chestertonianas do Padre Brow ou de Mister Pond sejam apenas contos policiais.
É o mesmo primado da realidade sobre a ideia, presente em Pickwick, que dá fundamento para as investigações de Padre Brown e de Mister Pond e que introduz a prova moral como indício mais válido do que a prova objetiva, porque faz referência à totalidade do ser humano, cujas motivações do agir, longe de se dividirem segundo o binômio racional/irracional, às vezes respondem a lógicas mais complexas, nas quais não está em jogo nem a lógica abstrata nem a falta de pensamento, mas um modelo diferente de razão.
Se então Padre Brown e Mister Pond chegam a descobrir a verdade de um delito, isto não acontece porque tenham conseguido uma quantidade maior de informações ou porque tenham analisado melhor o caso, mas porque observaram mais profundamente, dando-se conta de particulares que somente uma razão para a qual interesse o coração humano é capaz de captar.
“Dou muita importância a ideias vagas”, diz Padre Brown no conto “O estranho crime de John Boulnois” que está no livro A sabedoria do Padre Brown (Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1986): “As coisas que ‘não são evidentes’ são as que me convencem. Julgo a impossibilidade moral como a maior de todas as impossibilidades” (p. 230).
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